
Foto Denise Machado / Beco 203
Por Rafael Gomes
Chegamos cedo na Augusta. Passamos na porta do Beco203 e fomos comer um “pê-éfi” logo ali do lado. Dizem que os shows internacionais tem enchido bastante ultimamente e é óbvio que a gente não queria ficar pra fora. Ainda bem que nessa noite não foi bem assim. Uma amiga chegou a elogiar o público que estava ali – mais atencioso à música do que em algumas outras noites.
O Single Parents é uma banda que gosto bastante. Os caras são gente boa e fazem boa música. O disco deles (Unrest), recém-lançado, tem recebido ótimas críticas e não por menos, os caras além de bons, são dedicados ao que estão fazendo, mas nessa noite, sei que como eu, eles estavam ali como alunos. Alunos que foram assistir uma palestra com os caras que entendem do assunto. As guitarras do Zeek (Single Parents e Fire Driven) são muito bem timbradas e o equipamento dele é de primeira linha, quando se fala de Brasil, mas o professor da noite não era mais um guitarrista brasileiro, num mar de bons guitarristas, vinha de uma experiência única.
A performance do A Place to Bury Strangers foi extraordinário do momento em que o trio subiu ao palco – ainda no momento de arrumar o próprio palco para a aula que vinha logo após – ao último segundo daquela noite em que estivemos presentes no Beco.
Preciso, antes de falar qualquer coisa, agradecer a um grande amigo que me convenceu a sair de Campinas em uma noite de quarta-feira, gastar minhas economias do mês para assistir aquele show. O que era pra ser só uma noite de balada com bons amigos se transformou em um dos melhores shows que já tive a oportunidade de assistir.
Passei a semana ouvindo um pouco da música dos caras na internet e no carro desse amigo. Confesso que desapercebido, não tinha entendido o que eles tinham feito em palco no show que ele tinha visto em Portland um mês atrás para voltar tão convencido de que precisava ver mais um show. Por insistência, acabei indo e perdoando ele por não ter ido (em Portland) ao show uma das minhas bandas favoritas que também tocava ali naquela noite.
O som do APTBS, que lembra bastante The Cure, Depeche Mode, Joy Division, entre outros, aos poucos vai mostrando o porque de estar ganhando o coração das pessoas mais sedentas por boa e nova música. Ainda que os efeitos, principalmente os de voz, referenciem por completo essa geração de bandas que se consolidaram no cenário musical do final dos anos 80, aos poucos os outros elementos vão mostrando porque os caras são únicos.
Baixo e batera em uma sincronia incrível. E essa era uma diferença crucial. Só assim o, agora meu ídolo, Oliver Ackermann podia ficar livre pra poder mostrar o que sabe com a guitarra em mãos. Os timbres, também sujos, do baixo ligados a uma levada simples, porém muito coesa, da bateria dão ao som um ritmo energizante que não se vê em qualquer banda por aí, “mesmo nas gringas”. O trio pulsava junto. Não tinha como não ficar vidrado. Iluminação simples e precisa, comunicando-se por completo com a vibe toda do som: cinco projetores espalhados pelo palco em locais estratégicos, projetando texturas. E é esse o conceito mais forte que estava ali presente. Ainda que pra isso, tenhamos que perder um pouco de nossa audição com as “guitarras estupradoras”, como definiu pra mim o Fernando Dotta (guitarrista do Single Parents), em sua impressão sobre a passagem de som.
Esse termo pode ser bem legal pra definí-las mesmo. Os caras são bem conhecidos pelo show barulhento que sempre fazem. O próprio artigo no Wikipedia deles já diz isso! Um estupro é complexo e dúbio ao mesmo. Desculpem-me discorrer sobre uma palavra com carga tão negativa, mas é que sei que muitos amigos músicos que estivessem ali, teriam se sentido uma vítima, enquanto as pessoas que estavam ali sentiam-se como um delinquente gozando de um prazer imensurável.
O único guitarrista a quem conseguimos compará-lo devido suas características timbrísticas foi Frank Zappa, ainda que o Oliver não demonstre virtuose alguma com a guitarra na mão. E isso só reforça o quão único seus timbres são. A guitarra ali falava muito mais do que podia parecer. Contava a história de alguém aficcionado pelo que faz, a história de um cara que já foi expulso de casa por tanto barulho, que já teve sua van atacada por tiros, que precisou alugar um galpão pra poder ter espaço pro que precisava fazer. O rack, no lugar de um simples amplificador de guitarra era impressionante. Eram três módulos de amplicação e efeitos de guitarra, junto com os pedais handmade da ‘Deaf By Audio’ – marca que hoje é usada pelos maiores e mais bem conceituados guitarristas dos EUA e criada pelo dito cujo – fora o módulo de voz, que tive que perguntar ao amigo Chiquinho (técnico de som do Beco) onde estava e como fazia pra chegar naquilo.
Os efeitos de guitarra dele não foram feitos pra poder serem entendidos por essa geração de seres humanos. São fruto da mente de um gênio que está muito a frente dos guitarristas de hoje que ainda se preocupam em quantas notas por segundo conseguem executar. Viva os anos 90 que tiraram isso da cabeças de algumas mentes mais sãs.
Eu posso ficar mais três dias aqui falando sobre mil detalhes do show e ainda assim, a única sensação que quero e conseguiria passar é a de que, você devia me ouvir, como ouvi as palavras daquele amigo, quando digo que esse show pode mudar sua vida. Se um dia, por acaso, estiver em um lugar onde o APTBS toque por perto: NÃO PERCA ESSE SHOW POR NADA. Ouvir em casa, agora, é como olhar pra uma fotografia de um lugar bacana que já visitei. É bonito, mas só tem sentido pela experiência que vivi antes. Espero conseguir achar mais shows que como esse, ou como o show do Foals no Planeta Terra de 2008 mudem a minha vida, ou pelo menos o modo como eu enxergo a música e a forma de se portar em cima de um palco.
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