Acontece em Londrina, na segunda quinzena de setembro, o Ahead, evento gratuito, que ataca nas frentes de música, moda e design, com atrações distribuídas em palestras e shows em antigo armazém de café, na Rua Maragogipe, próximo ao Empório Guimarães. O evento iniciou as atividades no último fim de semana, recomeça hoje (21) e permanece até domingo. A agenda traz artistas relevantes no cenário alternativo nacional, além de artistas locais.
O blog esteve lá para cobrir o primeiro dia do festival, na sexta-feira (16), que contava com shows de Silva e Jaloo, além de palestras e discotecagem da festa Selvagem, de SP.
OS SHOWS
A elegância de Silva
Silva subiu ao palco por volta das 20h e abriu com as duas primeiras faixas de seu último álbum, “Júpiter” e “Sufoco”. As novas músicas do capixaba destoam um tanto das velhas músicas, Silva hoje é um artista classificável dentro da MPB, muito mais talhado e pop, do que nos álbuns anteriores: Claridão, Vista pro Mar e o EP 2012. O novo rumo sonoro foi sentido, quando tocou uma de suas melhores músicas, a atmosférica e impingida em synthpop a la Human League, “É Preciso Dizer”, presente no disco Vista Pro Mar (2014). A música é linda em estúdio, e cria o melhor ambiente possível ao vivo, pinta cores e desenha toda a paisagem sonora do ambiente. Silva na melhor forma. E como o artista mudou ao longo dos anos, agora possui uma formação completa de banda, a guitarra tomou forma nas peças mais novas de Silva, as nuances de backing vocal, que com os versos na voz de Silva surgem em harmonia lindíssima.
O clima paisagístico segue com “Entardecer“, a guitarra está em ação. É o contorno elegante e moderno do capixaba, que sempre imprimiu característica essencialmente urbana em suas canções, exatamente o oposto de Jaloo – que se apresentaria na sequência.
Mas, por hora, vamos seguir com Silva.

Silva em ação no primeiro dia de Ahead, em Londrina
É na música 6 do setlist que vem a sensação de que tudo ali está fazendo sentido, em “Volta”, o artista traz o puxadinho dançante pela qual é lembrado. O público sente a energia e já fica mais solto. Esgueiradas no canto, meninas dançam, enquanto uma saltita, a outra diz eufórica, “não me importa quem, hoje eu quero beijar”. Na frente do palco, Silva completa: “Lembrança, amor / Não se compra / O escrito, escrito está”.
“Sou Desse jeito” traz novamente o último álbum, Júpiter, de volta para o palco. Silva toca o seu teclado de lado para a plateia, no clássico estilo de pianista, seja Nelson Freire, Elton John ou Lúcio Silva.
Neste momento, a música, da coleção mais recente, parece não surtir efeito em um outro grupo de amigos que estavam ali por perto, pouco mais ao centro. Olhavam para o celular, e escreviam. Nesta hora, vem o pensamento inevitável: “o celular tem lá suas vantagens, pelo menos não estão conversando e atrapalhando o som”. Por mais que 99,99% dos artistas não consigam prender 99,99% da plateia, em 99,99% do tempo, o fato é que Júpiter (2015) é um disco menos inspirado, difícil de chamar a atenção de quem não é fã.
E, então, Silva, já de pé, levanta a plateia com a canção “Mais Feliz”, composição de Cazuza, Bebel Gilberto e Dé, gravada por Bebel em 1986. A faixa ainda ganhou um reforço de popularidade em 1998, quando Adriana Calcanhotto regravou em seu bem-sucedido álbum Maritmo.
Na sequência veio “Universo” e “12 de maio”. Aqui, ele consegue colocar com mais força as brasilidades que possui, principalmente nas batidas.
“Feliz e Ponto” embala os casais, e encarna um dos poucos coros da plateia, em sua mistura de Los Hermanos com Washed Out.
Silva ainda tem mais algumas cartas pra jogar, como o condensado de “Janeiro / Noite / Claridão“. O suficiente pra fechar o show em ritmo sincopado e sintetizador hipnótico, que põe o público pra dançar. Aplausos, e a pista ainda segura o suspiro por alguns longos segundos, até ter certeza que o show acabou. Era hora de circular.
A popularidade de Jaloo
Meia hora depois, Jaloo subiria ao palco, certamente com mais público e gritos histéricos. Se alguém ainda duvidava do paraense de Castanhal, mesmo tendo aparecido depois, pode cravar: já é maior que Silva. As razões são óbvias e saltam aos olhos ao colocar as apresentações em perspectiva. Silva é introvertido, interage pouco e o visual é sóbrio. Jaloo é extrovertido, carismático e andrógino. Musicalmente, Jaloo explora melhor a música regional, Silva é mais hermético nas influências. Silva é mais clássico e Jaloo é mais popular. Jaloo se relaciona melhor em interpretar o atual e Silva cava mais fundo. É interessante observar a idiossincrasia, apesar das bases sonoras de ambos partirem da mesma argila.
Logo no começo, Jaloo entra com a hipnótica “Vem”, seguida de “Insight” uma das músicas mais chicletes de seu set. Após a canção, pergunto a opinião de um amigo.
– O que você acha da música do Jaloo?
“É a Bjork do Pará”, ele responde sem ponderar.
Eu fiquei meio confuso, porque a personalidade – e boa parte da música – não tem nada a ver. Refletindo um pouco, é possível fazer esta abstração, seja no tribalismo de “Human Behavior”, em Debut (95), a eletrônica ainda em estágio de gestação, na “Isobel” em Post (97), ou seja, pinçando alguns momentos da islandesa até pode ser. Jaloo é popularesco de uma forma que Björk jamais foi, tomando nota que a islandesa é pop star nos seus próprios termos. Apesar de gingado, Jaloo segue as estruturas, Björk é quebrada e rebelde com a melodia, mesmo nos seus álbuns mais acessíveis de começo da carreira solo. Jaloo é completamente acessível. É uma rampa de acessibilidade. Abstraindo ainda mais, é possível entender que os dois compartilham o mesmo gosto pela experimentação de música eletrônica. Por isso, o popular de Jaloo não deve ser entendido no sentido pejorativo, de música plastificada. Tem muita verdade e muita artisticidade em sua essência.
Enquanto as abstrações sobre Björk voam longe no pensamento, Jaloo voa nos braços da galera. Stage diving é a atitude símbolo do rock’n’roll em shows. “Quem disse que não existe rock sem guitarra?”, ele menciona em outro momento. Fato.
“Chuva” vem. E “Last Dance” também. Jaloo está mais próximo de Grimes, na verdade. E ele não esconde esses contornos em “Bateu Uma Onda Forte”, da MC Carol, com toques de “Oblivion” da canadense.
O castanhalense interage com a pista em diversos momentos, flerta com alguém de cabelo comprido: “Uma coisa de Londrina que eu fiquei de cara é o cabelo grande”. Em outro momento, Jaloo sai facilmente de uma saia justa: “Domingo o show é em Curitiba…”, diz sem saber da rixa unidirecional que Londrina tem com Curitiba. “É perto né?”, ele emenda. Um misto de silêncio, com negação da plateia. Então o músico sorri e manda na lata: “mas vocês não podem falar nada, porque vocês falam que o Pará é no Nordeste, né?”. O público vai à loucura e urra de alegria. Jaloo vira de costas, solta o cabelo e diva mais uma vez.
A interação com o público é um ponto forte. Em outro momento, ele solta: “Tanto faz para vocês acabar agora?”. “NÃÃOOOOO”, responde a plateia em um uníssono de causar inveja a qualquer regimento militar. “Quanto mais vocês sentirem a música, mais eu vou me sentir realizado”, o paraense completa em um tom entre dengoso e sapeca. Ele tem o público na mão, e ele sabe disso.
A mistura de aparelhagem paraense com o witch house hollywoodiano toma contornos únicos em uma explosão final de techno selvático em “Pa Parará”, nessa hora já tem menina de cavalinho nas costas de alguém, a galera em uma só frequência e energia sonora.
Jaloo de fato sobrevive ao que dizem por aí, tem todas as credenciais necessárias para ser um artista relevante por muitos anos. O show ainda carece de mais discos para ganhar profundidade, para ganhar opção. Mas por tudo que ele já emplacou em #1, não resta dúvida que é só questão de tempo.
No dia seguinte, sábado (17), tocaram Tropkillaz e Rico Dalasam. No domingo (18) teve Mahmundi.
A ESTRUTURA
Quem acompanha as coberturas de shows e festivais aqui no site, sabe que raramente entramos no aspecto estrutura, exceto quando estamos cobrindo festival de grande porte, e existem aspectos relevantes a se destacar. Mas os pequenos festivais e shows seguem dentro de um padrão mínimo de palco, som, luzes, bar, banheiros e etc. Compreensível que não tenha muito luxo, porque fechar a conta não é fácil, e quando a estrutura atende aos requisitos mínimos de qualidade, não tem muito o que comentar. Se não atende, é nosso dever bater na tecla e informar aos leitores.
Mas e quando é exatamente o oposto disso? Um evento de pequeno porte com estrutura que enche os olhos?
Decoração e ambiente de primeira linha, três ambientes na verdade, palco e equipamentos de som de qualidade profissional, luzes e tecnologia all over the place. O velho armazém de café foi transformado. O problema de temperatura foi pensado com ventiladores gigantes, do tipo industrial, o contraste entre moderno e antigo é um dos pontos altos. Do lado de fora projeções, enfim… toda sorte de parafernália decorativa, capaz de transformar o humor de qualquer lugar.
Bares com uma carta boa de bebidas, incluindo um justo chope Pale Ale e food trucks compõem a parte gastronômica e etílica do evento. Os banheiros feitos em contêineres, estes mesmo de navio, com casas individuais, ar-condicionado, espelho e tudo que ofereça uma dignidade muito superior aos famigerados banheiros químicos de festivais. Carregadores de celular e poltronas. Mezaninos, mesa de som, enfim.
Quem paga a conta?
Tamanho capricho aliado à gratuidade acentuou ainda mais a dúvida: quem está bancando e por que? Viabilizar show ou festival no Brasil, já é um enorme desafio contando com o retorno da venda de ingressos. Sem o retorno dos ingressos e com uma infraestrutura que não é trivial torna a questão ainda mais urgente.
Parece um evento corporativo. Foge ao padrão das produtoras de shows e passa a impressão de festa de marca. Como faz a Levi’s, Jack Daniel’s, Converse, Bacardi, Red Bull e todas as brands, quando querem bajular a molecada do alternativo. Quem é Ahead? Quem é que está te inspirando nessa festa bonita? É difícil de acreditar que seja alguém querendo lucrar com o festival. Que o ROI (retorno sobre o investimento) seja atingido pelo evento em si. Como é que faz, só com o bar?
Isso martelava a cabeça deste blog, tanto quanto a comparação semi-absurda de Bjork com Jaloo.
Pra que morrer com a dúvida?
Vamos assuntar, investiguemos.
Duas fontes envolvidas no projeto e ouvidas pelo blog, disseram que a organização vem de São Paulo, da agência Mutato, mas o patrocinador que viabiliza a operação é a Souza Cruz. O público alvo da ação é conhecido internamente como SU30, “smokers under 30” (fumantes abaixo dos 30 [anos]). O evento deveria ter feito o primeiro voo em Uberlândia, mas por algum motivo que a fonte não explicou, acabou acontecendo primeiro em Londrina. O novo cigarro Kent é o produto foco de divulgação. O Kent vai assumir o lugar do Free, tal como Dunhill fez com o Carlton. O cigarro tem um ponto de exibição na parte externa da festa, e pode ser comprado nos caixas. Mas, fora isso, nenhuma outra menção. Houve pouca divulgação do festival pelos meios tradicionais, como rádio e outros tipos de mídia, por exemplo. Investiram no boca-a-boca, através dos influenciadores, que são pessoas responsáveis por trazer o público certo ao evento.
Questionada sobre a participação da marca de cigarros, a organização do evento afirmou: “A Souza Cruz é uma parceira comercial apenas no que diz respeito à locação de áreas internas para comercialização de seus produtos.”
E, acrescenta: “A proposta do Ahead é trazer os nomes mais bacanas de moda, design e música para cidades que, a exemplo de Londrina, têm uma demanda por esse tipo de atração. Nosso objetivo com o festival é entender a interação entre o mundo digital e o real, ao trazer artistas e nomes que surgiram e se consolidaram graças à internet, e fazer essa ponte com o público por meio de uma experiência real, que conecte e inspire as pessoas. O evento é uma plataforma concebida pela Mutato.”
Patrocinadorzinho ou patrocinadorzão o fato é que, para o público, pouco importa quem está investindo. O indie londrinense há muitos anos não era tão bem tratado na vida. E tem aproveitado os dias de gratuidade.
BALANÇO DO PRIMEIRO FIM DE SEMANA
Ao longo do primeiro fim de semana mais de 2 mil pessoas estiveram presentes no Ahead, que avalia positivamente a participação do público pé-vermelho até aqui: “Estamos muito felizes com a receptividade do público. Ter registrado essa quantidade de gente no primeiro final de semana mostra que fizemos uma curadoria bastante acertada de músicos e palestrantes. Nesta semana esperamos um público semelhante, mas como estaremos abertos a partir da quarta-feira, devemos registrar um número maior de pessoas.”
E o Ahead ainda não acabou
E, como dito no primeiro parágrafo, o Ahead segue até domingo. De hoje até sexta-feira (23), a programação torna-se mais rockeira. Pena que o rock de uma só cor. Na quarta, o destaque é a potência local Red Mess. Na quinta, o peso vem através do duo, que já figurou entre os melhores do ano, aqui no site, com o álbum da capa de crocodilo, Muñoz. A noite stoner/garajeira segue com o também duo mossoroense Red Boots. Não menos pesada e com mais bagagem é a noite de sexta com Ego Kill Talent e Black Drawing Chalks. No sábado, a música retorna para vertentes mais eletrônicas e brasileiras, o fim de tarde-noite é imperdível com Flora Matos e Omulu. Domingo a festa local, Barbada, encerra o evento. Veja a programação completa. Para ir nos próximos dias é preciso cadastrar-se no show de interesse, lá no site oficial.
Alô Uberlândia
A iniciativa não deve parar em Londrina, Uberlândia também receberá o evento, como confirma a organização: “Estaremos em Uberlândia, mas num modelo um pouco distinto, de menor porte e duração. Os detalhes ainda estão em definição e ainda não serão divulgados. A partir dessas duas experiências, vamos avaliar a melhor maneira de seguir com o Ahead, tanto em formato quanto em quais cidades estaremos. “
De uma forma ou de outra, a cena também se levanta.
PODE MELHORAR
E, por fim, você me pergunta, cade o indie rock, nesta equação? E todo o balaio de derivações, das mais psicodélicas até a mais folk. Cadê Carne Doce, Inky, Supercordas, Ava Rocha, Fingerfingerrr, Bike, Peixefante, Sara Não tem Nome, BRVNKS, Lê Almeida, Vitor Brauer, Boogarins, Baleia, Tagore, Mahmed, Cidadão Instigado, Selvagens à Procura de Lei, Maglore, O Terno, BaianaSystem, Câmera, para ficar em poucos nomes que carregam tão bem o alternativo nacional.
Em termos de curadoria ficou devendo. Acabaram repetindo o estilo sonoro em mais de uma noite. Os três dias de rock, todos do mesmo naipe, é o erro mais evidente. Ficaram em apenas três cores: o rock mais abrasivo, o eletrônico e brasilidades. A paleta de cores do alternativo, da música de vanguarda, da turma de cultura, de quem tá com o apito das novas tendências na boca, hoje, é muito mais diversa que isso. Mas, como diz a sabedoria popular… a cavalo dado não se olha injeção na testa. Ou algo assim.
- Ahead Londrina
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- Jaloo em Londrina
- Ahead Londrina
- Jaloo nos braços do povo
- Ahead inova em Londrina
- Silva em Londrina
- Ahead Londrina
- Jaloo em Londrina
- Marcelo Domingues do Demo Sul dá o recado que importa
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