Sondre Lerche esteve no Brasil no último mês para se apresentar no Popload Festival, em SP. A partir desta vinda, o norueguês conseguiu viabilizar mais algumas apresentações fora do eixo, a pedido do próprio festival para que não tocasse tão perto de São Paulo. Sendo assim, ele esteve no Rio de Janeiro apenas a passeio, onde improvisou um sarau na areia, Recife onde oficialmente fez um show e finalmente em Fortaleza, no dia 11 de outubro, véspera de feriado, onde se apresentou no ótimo Órbita Bar, casa que prova sobre as referências de Fortaleza continuarem bem além de Wesley Safadão.
Surpreendente é a melhor definição para a apresentação de Sondre – no final de muitas canções ele liga um modo Sonic Youth em seus pedais, fechando boa parte de suas músicas com um tom caótico e energético, mas resenhá-lo ao vivo não é mais o objetivo, já que sua apresentação no Popload foi até televisionada pelo Bis.
Com um bom disco lançado em 2014, chamado Please e uma carreira que se você ouve numa catracada só, é inevitável pensar: “por que será que este cara não deu mais certo por aqui e até mesmo em outros lugares?”. Tem muitos ingredientes nessa conta com certeza, alguns deles nós analisamos aqui nesta conversa com o artista, onde música brasileira também é sempre assunto recorrente, por fazer parte de seu universo particular, muito, muito antes dele aparecer por aqui.
505 Indie – Vamos começar pelo seu último álbum. Em Please você compôs músicas extrovertidas e alto astral, dentro de letras mais íntimas e obscuras. Foi algo intencional trabalhar com este contraste?
Sondre Lerche – Não intencional, eu trabalho mais por intuição, eu me sinto conduzido a certa direção… eu comecei querendo [pausa]… eu gosto de contraste cada vez mais, por exemplo Two Way Monologue que eu ainda acho um bom disco, mas não tem muito contraste quando eu ouço, já PLEASE tem muito dessa confusão, luta interior nas letras, enquanto a música tem energia e eu senti muito dessas duas emoções quando estava compondo: confusão e energia. Então foi um álbum libertador.
Sim e eu penso que energia é a palavra, mas são dois tipos diferentes de energia – enquanto “Sentimentalist” fica mais nas distorções e reflete raiva, nas outras canções, nem todas as outras, mas em “Legends” por exemplo é uma energia mais pra cima e trabalha melhor com o ritmo. E em ambos a gente percebe uma força no seu vocal que eu acho um dos melhores de sua carreira.
Obrigado, este disco é especial pra mim, Teve pouquíssima reflexão em cima, era muito sobre agir, ter ritmo, energia, eu queria muitas coisas. Gravei pelo menos 16 canções para o álbum e selecionei 10 que pertencem juntas e que representam essa necessidade de ventilar energia e frustração, mas queria executar de uma forma que incluísse pessoas. Eu não queria ficar sozinho, já estou sozinho quando componho as músicas e quando sinto essas emoções, então em estúdio eu quis convidar o máximo de amigos colaboradores que consegui. São músicas muitas vezes sobre tristeza e solidão, mas em uma comunidade que te abraça ao redor. E isso aconteceu naturalmente. Há 10 anos atrás, eu pensava muito sobre referências, estilos, canções, isso e aquilo, ultimamente eu penso cada vez menos ao fazer música.
Eu li na internet alguém comparando você com o David Bowie, não no estilo, mas musicalmente, você também tem esse negócio de ser um camaleão na hora de abordar música. O que você acha disso?
Eu acho lisonjeiro. Ele é um dos maiores ícones da música popular, alguém que mudou não apenas musicalmente, mas também visualmente, estilisticamente… um dos maiores. Ele também combinou crescimento artístico e comercial de uma maneira muito elegante. Eu estou começando a sentir que não importa o que eu faça, sou sempre o mesmo, isso me dá liberdade para continuar mudando, para o melhor ou pior hahaha.
E você já sabe para onde vai no próximo álbum?
Eu tenho uma ideia, porque gravei muita coisa ano passado, e agora vou guardar um tempo para escrever mais músicas, mas gravei 15 canções que já estão quase prontas e contam com muita energia, inspiração…
E o que ou quem te inspira hoje na música?
Ultimamente eu tenho me inspirado muito com a Joni Mitchell, principalmente pelas letras, tenho ouvido muito as coisas dela, as coisas mais tardias, como os discos dos anos 90, em termos de letra é um mundo completamente diferente pra mim, e musicalmente com meus amigos no estúdio, através de colaboração. Eu sou muito aberto a tentar coisas novas e depois ver o que pertence ao disco. O que forma um álbum. Eu acho que o próximo disco vai ser mais energético e diria até agressivo, talvez.
Essa pergunta é difícil. Qual legado você quer deixar como artista?
Poxa… eu sempre me achei fora do compasso com o tempo, algumas vezes me senti atrás e outras vezes à frente, então quando o mundo entra no seu compasso, você já foi pra outro lugar, isso pode ser frustrante na hora, mas no contexto geral, ao longo do tempo é uma força, então o legado é este, música que está fora do seu tempo naquele momento, mas quando olhamos para trás, ela tem o seu lugar. E para mim, eu tenho afeição por um certo tipo de harmonia e como compositor estou procurando por um certo tipo de progressão de acordes que me faz sentir algo. A partir daí eu comecei a escrever letras e cantar canções, porque ninguém mais iria cantar estas canções, então tudo aconteceu gradualmente. Eu espero ser um destemido músico e compositor… É isso: destemido e um passo fora do tempo.
E onde você acha que está acontecendo a música deste tempo? Ou quem está fazendo a música deste tempo?
Humm, eu não sei. Eu sempre fui um garoto que escutava muita música que a maioria das pessoas não ligavam. O que eu quero dizer é que um garoto norueguês de 15 anos não escuta Milton Nascimento, então eu não tenho muita experiência de estar no passo daquilo que o mundo escuta, quem poderia ser… Eu não sei… Escrevi um artigo recentemente sobre a Lana Del Rey, e acho que ela é um fenômeno interessante no mainstream. E claro tem bandas que conseguem balancear bem o fato de capturar o momento e continuar excitantes como o Arcade Fire, eu diria o Radiohead, mas isso é um grande clichê (risos). E tem a Beyoncé que é o tipo de popstar que eu acho legal que nós tenhamos.
Essa relação íntima com a música popular brasileira te deu uma visão sobre o Brasil na sua imaginação, estando aqui e vendo com os seus próprios olhos você enxerga alguma coisa de diferente?
É bem estranho, eu cresci na Noruega tão longe e desde os 10 anos eu ouço música popular brasileira e isso acaba criando um mito na sua cabeça, um lugar-mito, então é legal vir pra cá, tornar isso real de alguma forma. A percepção de que não é tão perigoso também, pra quem é de fora e está longe, a referência que você tem é da violência, então quando você está aqui e convive com as pessoas e como elas respondem à música, como elas vivem com a música que eu vivi, mas na Noruega. É bem universal, e tem sido demais, conhecer as pessoas, dançar, beber, a natureza, que eu encontrei no Rio no último fim de semana e a música está em todo lugar no Brasil, as pessoas estão sempre prontas para se entregar à música. Na Noruega e nos EUA, não é algo que acontece com tanta frequência, as pessoas levam um tempo até se entregarem à música, e aqui é assim [estala os dedos].
E o A-ha está aqui na cidade… Que coincidência, duas gerações norueguesas. E eu sei que eles respeitam muito você como músico. Como é este sentimento de ser admirado por gente que você já foi e continua fã?
É estranho no começo com certeza, é mais ou menos o sentimento com o Brasil, eu sinto que eu conheço mais do Brasil do que as pessoas conhecem de mim. Depois de ouvir a música por toda a minha vida. É a mesma coisa com essas bandas que você ouviu a vida inteira, e depois você conhece as pessoas por trás da música. Eu me sinto muito agradecido, é excitante poder conversar e como um músico você consegue se conectar mais com estas pessoas, por partilhar algo em comum. Mas alguém como o Paul do A-ha, ele fez todas essas músicas que eu cresci ouvindo, mas ainda é muito criativo e ativo, quando eu encontro ele agora que sou um adulto e profissional, nós estamos fazendo as mesmas coisas de uma forma e então sentimos a conexão, adoro me encontrar com outros músicos. De certa forma você se sente menos sozinho com o que faz, e nestes momentos você não pensa muito no passado, claro que é bacana ouvir as histórias do A-ha e tudo isso, mas são apenas dois compositores, sabe… Trocando experiências.
Você disse algo sobre a audiência brasileira não conhecer você. Mas muitos atos são conhecidos aqui depois de começarem a vir, e você já está há tempos na estrada. Porque tanto tempo até finalmente vir?
Não sei. Eu fui mimado talvez, porque tive a oportunidade de viajar para tantos lugares com minha música, então eu ia para qualquer lugar que tivesse uma proposta razoável para tocar. Mesmo sabendo que não tenho muitos fãs aqui, ainda assim foi ótimo no Rio e o público no Recife… então é encorajador alcançar todas essas pessoas e ver que existem gente esperando por mim, mesmo demorando muito. No final, é o fato que nunca tive uma oferta séria para vir. Eu sempre quis vir pra cá, e o país é muito especial para mim, mas eu nunca ouvi uma boa oferta. (risos)
É sua primeira vez aqui em Fortaleza, como é tocar pela primeira vez em algum lugar?
Com certeza é especial tocar em um país e cidade pela primeira vez, porque você não tem referência, depois disso você retorna e se lembra da outra vez que você tocou na cidade e faz alguns ajustes se for o caso, mas hoje como é uma introdução, é o caso de tocar músicas de todos os discos e tentar cobrir o máximo que eu puder, tocar as músicas que as pessoas mais querem ouvir, eu vou começar tocando sozinho junto com a plateia, pra criar essa relação íntima e então o meu baterista vai se juntar a mim e vamos botar pra quebrar.
Qual música na sua carreira você acha que tem mais influência de música brasileira? Eu li em algum lugar que alguém citava “If Only”, o que eu concordo.
“If Only”, não apenas pela composição, mas também pelos arranjos é inspirada por Milton e Lô Borges e muitos acordes ali eu aprendi de Jobim – mas para mim – e eu percebi isso tocando aqui no Brasil, “Minor Detail” é a grande tentativa de compor uma música brasileira. Até no novo álbum “At a Loss For Words” tem uma intuição harmônica que eu carrego comigo e eu tento levar isso em diferentes territórios, mas eu acho que em todos os discos tem muito disso [MPB], é principalmente no senso de harmonia e progressão dos acordes que se apresenta muito natural para mim e de afinidade com todos estes compositores brasileiros.
E olhando para os seus discos e para sua carreira, a impressão que fica é que Heartbeat Radio foi a sua última cartada de tentar ser um fenômeno pop mundial…
(gargalhadas)
(gargalho junto) eu sei que na Noruega você é grande, mas ao flertar com o mainstream e com a música pop de forma mais grandiosa e direta.
Certo, Heartbeat Radio foi o último que eu fiz em uma grande gravadora e foi um álbum muito grande e caro, eu tinha ambição naquele disco de se tornar grande e um pouco glamouroso. Mas, pessoalmente eu penso que Please é o mais comercial que eu fiz, com um grande resultado artístico e o mais acessível que eu já fiz. Mas agora eu lanço pelo meu próprio selo, então tem toda essa operação indie. Eu queria muito trabalhar com grandes gravadoras no começo e tive todos os recursos que eles ofereceram até eles não oferecerem mais. Eu nunca achei que eu poderia fazer justiça para este sistema deles, porque nunca pareceu natural para mim que eu possa ser esse grande sucesso comercial, mas também, às vezes, eu faço uma música e penso “isso deveria estar em todos os lugares”, então é um diálogo interno e um conflito a maior parte do tempo, com certeza, porque faço música pop, mas algumas vezes é estranha, mais inacessível e algumas vezes é música pop que só quer ser música pop. Mas eu gosto como o mundo está mudando, tem várias coisas estranhas que eu encontro no mainstream e elas estão ocultas alí, eu acho que este é um ótimo tempo para um certo tipo de espírito artístico que eu me sinto distante. (….)
- Sondre Lerche se apresenta no Órbita Bar em Fortaleza. Foto: Flavio Testa / 505 Indie. (11/10/2015)
- Sondre Lerche se apresenta no Órbita Bar em Fortaleza. Foto: Flavio Testa / 505 Indie. (11/10/2015)
- Sondre Lerche se apresenta no Órbita Bar em Fortaleza. Foto: Flavio Testa / 505 Indie. (11/10/2015)
- Sondre Lerche se apresenta no Órbita Bar em Fortaleza. Foto: Flavio Testa / 505 Indie. (11/10/2015)
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