Os Beatles por um período muito breve e antes de se tornarem a banda que o mundo conheceu, chamavam-se Johnny and the Moondogs no fim dos anos 50. Nessa época o grupo abandonou o antigo nome, The Quarrymen, o estilo sonoro conhecido como skiffle e começou a assumir com mais frequência o rock and roll. A formação se fixou em John, Paul e George, dali para o que conhecemos como The Beatles foi uma evolução bem rápida.
E nos rapazes de Liverpool surgiu a inspiração para o nome da banda paulistana The Moondogs, que acaba de lançar o primeiro disco de estúdio intitulado Black & White Woman. O grupo consiste em um quarteto, liderado por Johnny Franco, filho de Moacyr Franco. Outras feras carimbadas também dão respaldo ao disco, como a produção assinada por Gustavo Riviera dos Forgotten Boys e a gravação/mixagem por Roy Cicala, que trabalhou por mais de 20 anos como engenheiro de som no Record Plant em Nova Iorque, tendo no currículo gente do calibre de Jimi Hendrix, John Lennon, Gregg Allman, Alice Cooper, Bruce Springsteen, The Who, CSNY, Aerosmith, Prince e tantos outros. O disco dos Moondogs é creditado no comunicado de imprensa como o último trabalho de Roy Cicala, falecido em janeiro de 2014.
A sonoridade é bem fiel ao blues americano praticado por bandas inglesas de rock da década de 60. “If You Do, You Do” tem parentesco com “Sunshine of Your Love” do Cream, que já tinha parentesco com “Cocaine”, popularizada na versão de Eric Clapton solo nos anos 70. Em alguns momentos vai quase para o country americano, como em “Wait!“, que poderia ser emprestada da fase em que Lennon se inspirou no Dylan, como por exemplo em “I Don’t Want To Spoil The Party”. No começo da faixa “Hurricane”, eu juro que ouvi “Penny Lane“.
Sem dificuldade, o ouvinte vai perceber que o disco é uma viagem pelo túnel do tempo, mas não é assim o tempo inteiro, existem exceções, como em “Black & White Woman“, que seria uma espécia de Miles Kane encontra o The Black Keys, ou seja, aqui lidamos com uma sonoridade mais atual, roupagem de 2014, porém com inspirações/referências de outras épocas, justamente o que faz Black Keys e Kane.
E tem ainda um terceiro tipo de música no disco e aí encontramos a parte mais interessante dele.
Para fugir do feijão com arroz, encontramos músicas com alguns arranjos bem bonitos, caso de “So Inside My Soul”, certamente a melhor faixa do trabalho. O teclado e o backing vocal no refrão enche a canção de grandiosidade, os solos também são instigantes. “Kind of Magic” é outro grande acerto, a música quase derrete no seu ouvido com boa dose de psicodelia e inventividade. É nessa hora que a banda entrega sua capacidade de criação e inspirações servem como vaga lembrança, a canção possui personalidade própria. Se lembra algo que poderia entrar no Magical Mystery Tour, seria apenas como uma influência indireta. A impressão é que, quando a banda se permitiu arriscar mais, acabou por acertar mais. As duas faixas que vêm quase na sequência e terminam o disco, “Faith In Love” e “House of Prayers” são bem boas e provocativas também.
O Moondogs demonstra possuir apelo pop, talento – o vocal do Johnny me agrada bastante – e energia criativa. Exatamente por isso não deve se contentar em ser apenas uma continuação/repetição de algo que foi único em um momento no tempo e que provavelmente não voltará a dialogar da mesma forma no presente.
No geral, pode-se dizer que o disco têm seus altos e baixos. O ponto baixo não é por ter uma faixa necessariamente ruim, todas as composições são de bom gosto e feitas por quem já nasceu gente grande no assunto. O que mais pega seria essa característica de emprestar o passado de uma maneira tão veemente, como se fosse uma banda cover de um gênero e tempo. De qualquer forma é agradável e divertido, mas pode fazer muito mais do que o baile da saudade.
Se pensarmos que tanto os Beatles quanto os Stones também tiveram essa característica no começo de carreira, valendo-se de covers e influências emblemáticas, então é de se pensar que os Moondogs paulistanos já tenham bem resolvido o caminho que estão trilhando.
Para descobrir mais sobre a intimidade dessas composições pedimos para Johnny Franco fazer um faixa a faixa. E a história de cada uma é assim:
Faixa a faixa de Black & White Woman por Johnny Franco
Rock’n Rollin:
Essa música foi composta no elevador do meu apartamento. Cantei ela no gravador do celular para não esquecer e assim que peguei no violão, ela estava pronta. Só faltava a letra, que foi composta no estúdio, minutos antes de gravar a voz principal.
Black & White Woman:
Neste caso, a letra veio antes da música. Quando surgiu o refrão em ré menor, fui correndo atrás de uma estrofe, mas quando vi tinha composto a primeira parte em lá menor. Quando toquei as duas juntas, a música soou legal e no outro dia levei para o ensaio com a banda. Saiu perfeita na primeira Jam.
If You Do, You Do:
Fiz este riff em um quarto de hospital quando meu pai estava internado. Um tempo depois, durante uma temporada de shows no Club Noir, faltava repertório para alguns shows, aí começamos a tocar esse riff quando nao tinha mais o que tocar. Entre um show e outro a letra foi sendo criada e de repente tava pronta.
Wait!:
Pensei numa frase. ‘I’m close to be away’, ou seja, ‘estou perto de estar longe’. Aí tive que fazer uma música para ela. Quando a frase coube na melodia, comecei a escrever o resto e no fim da noite tava pronta.
She Said Today:
Meu amigo, que nunca foi de namorar, tinha se apaixonado. Me ligou no primeiro beijo e no dia que acabou. Ele me contou que depois de terminar com ele, ela foi embora e deixando o coitado na chuva, voltando sozinho pra casa. Quando desligamos eu peguei o violão e fiz a música.
Soul Inside My Soul:
Quando eu tinha 15 anos fiz esta melodia. De todas as músicas que fiz de lá pra cá essa da frase pronta não saiu da minha cabeça. Depois quando eu estava no aeroporto de Manaus, esperando meu avião, escrevi a primeira parte da música, sem ainda saber que ela já tinha um refrão. Um dia, escutando minhas gravações no celular, escutei as duas juntas e gostei. Foi divertido.
Earn For What I Feel:
Resolvi terminar meu namoro pelo telefone. Só que eu estava na República Domenicana. Quando cheguei em São Paulo, a conta do telefone já tinha chegado. Escrevi essa musiquinha pra acalmar os nervos do meu pai e quando fui ver, ela tava no disco.
Hurricane:
Estava aprendendo a mexer no Garage Band na época. Gravava qualquer coisa. Uma delas foi ‘Hurricane’. Num sábado em que o Gabriel Gariani estava em casa, cismei que precisávamos gravar alguma coisa e como não tinha música, tive que fazer uma ali. Ela foi surgindo de pouco em pouco, ensaiamos com a banda na semana seguinte e tocamos ela num festival em Pinheiros.
I Got Bored:
No fim de semana mais Elvis da minha vida, entre uma penteada e outra peguei o violão e me surgiu essa música. Gostei tanto dela que não terminei o topete. Mas fiz a letra. Tá no disco, se quiser escutar…
Kinda Magic:
Essa música eu fiz do lado do meu pai na Granja Viana, minutos antes de descer pro ensaio nos fundos de casa. Quando cheguei no ensaio, tocamos ela pra aquecer os dedos. Fizemos isto tantas vezes, que uma hora aquele aquecimento virou música, com estrofe e refrão. Tocamos tantas vezes essa música que no dia da gravação, plugamos os instrumentos, o Roy posicionou o microfone e tocamos uma única vez.
Homeless:
Numa tarde cinza, enquanto eu dedilhava um violão de nylon, minha mãe me ligou pra dizer que o apartamento que eu morava, iria ser alugado. Por tanto, naquele instante que desliguei o telefone, trombei em um lá menor e gritei: I’m homeless! Quando fui ver ja tava no final da música.
Faith In Love:
Este riff, foi o primeiro que criei a ser tocado pela nossa banda. Em um dos primeiros ensaios, eu mostrei essa música para os meninos, eles gostaram, aprenderam e um dia quando a escola pediu que tocássemos alguma coisa em um sábado cultural, tocamos ela. Ainda vamos fazer uma versão em forró.
House Of Prayers:
Eu escrevi uma música uma vez, chamada House Of Prayers, mas esta que você escuta no nosso CD, é muito melhor do que aquela que eu tinha escrito. Isto, por culpa do produtor do disco, Gustavo Riviera. Gravamos esta música sem saber como ela ficaria no final, e até hoje não sei. Gosto muito desta faixa, porque ela ficou completamente diferente do que eu imaginava.
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1 Comment
Guys, ouvi pela primeira vez o som de vcs no programa da globo! E fiquei muito triste de sarem to depressa!
Pirei no som de vcs!
O meu ingls bem fraco saca?! Ento queria saber onde posso encontrar as letras dos sons da “The Moondogs” para aprender a cantar…
Abraos e sucesso!pe