por Flavio Testa, exceto em:
Abujamra, Elza, Lenine, Caetano e filhos, Ceumar e cia por Raphael Pousa
Dingo Bells por Rodrigo Fonseca
Mahmundi por Ana Laura Diaz
A LISTA DEFINITIVA DE 2018 SE ENCONTRA NESTE LINK: https://505indie.com.br/acervo/os-50-melhores-albuns-brasileiros-de-2018/
Em 2018, o Brasil segue quente em reafirmar a sua melhor década musical pelo menos desde os anos 90. Plural, com temas efervescentes para ser escritos, dado o momento instável que o país atravessa.
Algumas vozes aparecem para afirmar aqui o seu posicionamento social. Os temas íntimos e aprofundamento da exploração dos timbres e infusão de gêneros são outras tônicas e, como podemos resumir de maneira bem superficial, um pouco da obra que os nossos artistas escreveram em 2018.
Esta tendência não é exatamente novidade nos últimos 5 anos, o que claramente notamos é um aprofundamento destas questões e de possibilidades artísticas. O sarrafo de qualidade da nossa música subiu, e para seguir atravessando sem derrubá-lo, é preciso um esforço ainda maior. Ao passo que os novos talentos seguem surgindo, fazendo a coisa toda parecer fácil, quando não é.
Por trás de tudo isso, segue a escalada de incentivos e agentes culturais espalhados por todos cantos do país. É um contraste pra lá de interessante e delicioso de ser analisado. Sobre como o otimismo do mercado musical dicotomiza com o pessimismo sobre o nosso presente e a sensação de possível retrocesso no futuro de curto prazo.
O ano não acabou e muitos outros vão cavar o seu lugar nesta lista, nos próximos 4 meses, até que a turma de 2018 esteja definida, em 50 álbuns.
Por enquanto é isso. Sem ranqueamento neste primeiro momento. Os 30 melhores discos brasileiros de 2018… até agora. Por fim selecionamos três EPs, uma releitura e um álbum ao vivo que também merecem o destaque.
Almir Sater e Renato Teixeira – AR
A longa parceria de Almir Sater com Renato Teixeira têm nos rendido bons discos recentemente. Seja o primeiro AR de 2015, ou o de agora. AR2 é um passeio pelo violão e as cantigas caipiras de história e de vida. É um retorno às raízes interioranas da música brasileira. O tom de viagem e saudade que não precisa muito mais do que ambos, seus violões e suas vozes. Mesmo assim, o disco é muito maior que isto, em um bucolismo orquestrado com uma banda por trás. Não é exagero dizer que vemos na figura de ambos o genuíno folk brasileiro. Destaque para “Flor do Vidigal”, “Assim os Dias Passarão”, “Touro Moucho” e “Festa na Floresta”. Com a cabeça longe, passeando pelas paisagens de interior que o disco invoca, é possível flagrar-se imaginando um festival que tivesse na mesma programação Neil Young, Crosby, Stills, Nash, Sater e Teixeira.
André Abujamra – Omindá
A união das almas do mundo pelas águas, a beleza de um trabalho também começa com um subtítulo. Esse, até o momento, é o grande lançamento do ano, de uma beleza cortante. A real grandeza, com Cordeiro de Nanã no seu miolo, abre o disco com toques afros, árabes e com tudo que traduz um disco feito em 13 países. Um disco dedicado aos pais e à sua vida. Com requintes épicos, o disco é um encontro com vários artistas pelo mundo, o que remete ao título.
Anelis Assumpção – Taurina
Anelis é a melhor coisa que aconteceu na MPB nestes últimos anos e isso basta. Obra plural e desafiadora, deliciosa para qualquer ouvido, cheia de questionamentos, mas sempre com uma sensação de otimismo e bons momentos, permeada em influências de samba, bossa e toques de jazz, dentro de arranjos engenhosos e muito bem aparados. A poesia abre algumas canções e ganha peso dentro de composições que na voz se expande em multiversos. A dona do melhor álbum brasileiro em 2014, a artista volta em 2018 com protagonismo certeiro.
Ava Rocha – Trança
Em Trança, Ava Rocha já determina na primeira faixa as características de tribalismo urbano que permeiam o disco. Ritualístico, o transe vai se fundir com leve lisergia nos versos que vem a seguir, mais próximos de uma MPB tradicional, que remete a Bethânia. Disco elegante e cheio de alternativas, naturalistas e bem enraizadas em vertentes tradicionais brasileiras. Canções profundamente submersas em atmosfera obscura e densa rivalizam com canções mais imediatas e coléricas. Ava Rocha reúne todas essas faces de maneira sinérgica e extremamente envolvente.
Caio Prado – Incendeia
Em seu segundo álbum de estúdio, o carioca Caio Prado confirma sua posição de expoente da nova MPB, o compositor que declara James Blake como grande referência é bem-sucedido ao infusionar estas influências com matrizes africanas clássicas, como o funk e o soul. Os timbres de guitarra e sintetizadores modernos se fundem em uma proposta bem calculada entre o clássico, o conteporâneo e o brasileiro.
Carne Doce – Tônus
Em Tônus, o Carne Doce encontra o seu auge de profundidade artística, ainda deixando em aberto o quão profundo é este poço. As letras de Salma elevam o tom confessional e de abertura ao seu mundo particular. Os vocais ficam mais mansos e intimistas. Os timbres e os encontros harmonicos continuam sendo o maior trunfo da banda, que ganha novas cores dentro desta paleta. É um disco que não se explica apenas pelo disco, mas dentro de uma discografia. O Carne Doce é uma das bandas mais consistentes neste sentido, é flagrante o degrau, a casa, a tela que eles estão pintando com todas estas cores. A questão visual ganha novo capítulo em Tônus, e mostra a versatilidade da banda auto-gerenciável e acessível. Quando você faz o exercício de se projetar no futuro, é impossível não imaginar o Carne Doce como marca de um tempo. Um tempo que eles mesmos vão dizer quando termina, dentro da finitude da existência.
Catavento – Ansiedade na Cidade
Catavento é a banda mais proeminente da já nacionalmente conhecida cena de Caxias do Sul. Em Ansiedade na Cidade, a Catavento chega ao seu terceiro álbum de estúdio com um salto significativo na qualidade da obra, onde destaca-se o cuidado com os elementos e a nuance na música. Também virada para essa cena neopsicodélica brasileira, apenas como base para arranjos macios que artesanalmente se desenvolvem, sem pressa, em paisagens sonoras de emoção e bem-estar. Em 2014, li um excelente artigo do Romulo Fróes na Ilustríssima resumindo uma tendência que aponta outro grande potencial deste disco da Catavento, e não apenas pela guitarra.
“Já definitivamente incorporada ao vocabulário da música brasileira no século 21, a guitarra passa a ser utilizada menos pelas suas possibilidades harmônicas e melódicas e mais por suas qualidades timbrísticas. Qualidades estas que definiram a sonoridade que, em certa medida, identifica a geração de artistas surgidas neste século.”
Se a timbragem se sobressai com alguma influência da cena neopsicodélica gringa, é na grandiosidade e possibilidade dos arranjos que o disco se consolida como um dos principais candidatos do ano. O caráter genuíno salta na primeira audição. E define com exatidão um dos melhores momentos da música brasileira em profundidade e proposição artística.
Clau Aniz – Filha de Mil Mulheres
Clau Aniz entrega uma sonoridade elegante, prolífica em influências e muito coesa. Arranjos luxuosos, progressivos e bem orquestrados que passam por percussões tribais, um trompete de energia jazzística e uma guitarra que se liquifaz dentro da harmonia. A voz aveludada da cantora, desenha os contornos atmosféricos com a mesma profundidade que encontramos na obra de Sharon Van Etten e Mazzy Star. Artisticamente é um dos discos mais surpreendentes do ano, consegue ser clássico ao passo que é atual.
Cora – El Rapto
O disco definitivo do dream pop brasileiro em 2018 é baseado no mito grego de Perséfone, com alternativas que vão bem além do gênero. Registre-se. As dinâmicas contrastam essa paisagem de outro mundo, letras poéticas, com uma agressividade mundana, de guitarra colérica, urgente e por vezes dissonante. Entre os melhores representantes do rock alternativo atual. Poético, genuinamente feminino e imediato. Cantado em português, inglês e espanhol.
Cordel do Fogo Encantado – Viagem ao Coração do Sol
A volta do Cordel do Fogo Encantado é bem-sucedida em Viagem ao Coração do Sol. Faixas viscerais carregadas de regionalismo pernambucano ainda continuam sendo a tônica do grupo. O disco produzido por Fernando Catatau do Cidadão Instigado ganha um toque ainda maior de emergência sem perder as características líricas e a paleta de tons quentes. Ainda envolto em toques brandos de psicodelia, o grupo se mostra o quanto continua necessário e atual dentro deste cenário super plural da música brasileira pós-10s.
Craca e Dani Nega – O Desmanche
Em seu álbum de estreia, a dupla consegue ser um disco dilacerante, fundamental (essencial) em questões sociais de minorias. Tudo isso é envolto em musicalidade experimental, riquíssima, explorando batidas eletrônicas e do hip hop. Criativo, explora a música negra e brasileira de uma forma deliciosamente diversa. Ainda conta com participações do quilate de Juçara Marçal, Luedji Luna e Roberta Estrela D’alva.
Daniel Groove – Levante
Mais um representante de Fortaleza, que nos dá mostra sobre a força dos músicos cearenses da atual geração. Daniel vem numa sequência imparável de bons discos que já renderam elogio da crítica, apresentações em festivais do porte de um Lollapalooza entre outros feitos, conquistado com muito mérito dentro de uma discografia que merece atenção. Em sua última empreitada, Levante faz um blend de tons vocais paisagísticos que dividem o vento beira-mar de Fortaleza com um piano bar de megalópole. Os timbres e solos de guitarra constrões uma narrativa vigorasa dentro da harmonia. Canções introspectivas que funcionam para uma tarde de cerveja na praia, ou uma noite de solidão e vinho no apartamento. Um dos últimos toques do nosso saudosa Miranda como co-produtor. Não que a comparação seja necessária, mas é o Father John Misty brasileiro.
Dingo Bells – Todo Mundo Vai Mudar
Em Todo Mundo Vai Mudar a banda gaúcha Dingo Bells canta sobre as incoerências da nossa sociedade e da única certeza no mundo moderno, a mudança, enquanto abraça o pop. Usando a poesia para abordar temas cotidianos como convidar os amigos para jantar, e com muitos cuidados nos arranjos e timbres, faz um som acessível e expande seus horizontes, entregando uma obra consistente e marcante.
Djonga – O Menino Que Queria ser Deus
Djonga continua a sua empreitada feroz de rimas pesadas em seu flow único dentro da cena do rap brasileiro. O mineiro se aprofunda em beats cavernosos, e linhas melódicas que causam o contraste que eleva a força pop do álbum para maiores audiências. Aqui, o artista emplaca o segundo disco entre os melhores do ano, em dois anos consecutivos. Além de manter a profundidade artística, a linguagem se aproxima ainda mais da galera mais nova, quebra pontes e o resultado disso é a consolidação de Djonga como um artista grande da tal cena brasileira.
Duda Beat – Sinto Muito
Sofrência com uma eletrônica pop elegante da escola Grimes e uma característica regional, seja na voz ou na timbrística da aparelhagem e do tecnobrega. Elegante com brega, parece papo furado da sopa de letrinhas, que o escriba se propõe. Mas, é exatamente por estas características que o primeiro álbum de Duda Beat toma o hype da cena musical brasileira como um trovão. Dinâmicas e mais dinâmicas, cada virada é uma nova surpresa. A artista dinamiza forças, que não são exatamente antagônicas -ela prova que não- mas pouco prováveis e que ninguém antes tinha experimentado. Jaloo até chegou bem perto disso, no primeiro álbum, mas se deixou levar demais pela influência da produção cosmopolita do sudeste. De forma que o disco ficou bom, mas um tanto pasteurizado e alinhado demais com a produção “gringa”. Aqui, Duda experimenta tanto com uma maior gama de alternativas, quanto com maior personalidade pra cima das mesmas e, assim, cria uma nova marca sonora, que vai muito além dos beats.
El Efecto – Memórias do Fogo
Atualmente uma das bandas mais interessantes do Brasil em romper barreiras de gênero musical, fazendo uma sonoridade híbrida e riquíssima, onde se destaca a infusão de brasilidades com guitarras volumosas do hard rock. A chance disso dar errado e ficar aquele tipo de rock progressivo “over” é gigante, mas não é o que acontece por aqui. O desenvolvimento de cada elemento tem uma razão na música. Tédio não é o caso ao ouvir este disco. A banda carioca continua em seu terceiro álbum, “Memórias do Fogo”, percorrendo um caminho delicioso entre música imediata e soluções criativas. Ouvir El Efecto é se lembrar de que não existe sempre o mesmo jeito de se fazer música popular. Dinâmicas, arranjos, harmonias engebradas em diversidade instrumental. Tudo existe na obra. É um disco que te completa por ser barra alta em volume artístico e acessibilidade.
Elza Soares – Deus é Mulher
O que dizer da maior cantora viva do Brasil, que do alto de seus quase 90 anos, expõe-se a gravar artistas de uma geração praticamente 50 anos mais novos que ela? Elza é Deus nesse país. O que essa geração fez para resgatar a força da voz e presença de Elza no cenário música é das coisas mais emocionantes que ocorreram nos ultimos anos. Não há nada a falar sobre esse disco, apenas agradecer e escutar.
Garbo – jovens inseguros vivendo no futuro
Dentro do que foi dito na introdução sobre uma nova geração de artistas que conquistam logo de cara, e de uma qualidade que impressiona, está Garbo. Talvez a melhor novidade deste ano em um álbum de estreia. Garbo resume sua geração em uma atmosfera slow tempo e dono de letras que impressionam pela capacidade de estabelecer este desenho, inseguro e ansioso. Apoiado em sintetizadores e batidas mansas, da escola de James Blake e Grimes, o pop do artista traz uma refrescante fórmula de infundir com elegância eletrônica em R&B, resultando em música popular inteligente sem tentar ser pretensioso. Aliás, o disco se caracteriza muito mais pela simplicidade do que pela luxuosidade. Ainda que a vibe codeína seja uma tendência, é uma obra que vai muito além e se propõe à pluralidade, provoca diversas sensações e emoções. É inevitável não se apaixonar por este álbum.
Gilberto Gil – OKOKOK
O que precisa um dos maiores gênios da nossa música fazer depois de nos presentear com quase tudo? Nos trazer de bandeja um disco sobre a passagem do tempo, do seu tempo em específico, mas que todos chegarão lá. Gil está crente da sua passagem, fala da morte, no amor, da amizade, da recuperação, da família. Traduzir das quimeras que vão sendo desfeitas na ultima parte da vida não é para um ser humano comum. Gil não o é. Depois de anos sem lançar um disco com músicas inéditas, o baiano vem com músicas ligadas na atualidade como a que dá nome ao disco; a impecável versão 2 de Pela Internet; uma pérola para a médica que cuidou de sua saúde recentemente e outra para seu cardiologista. Destaque para a direção música de Bem Gil que trás quase tudo o que Gil fez sonoramente na sua vida musical.
Heavy Baile – Carne de Pescoço
Leo Justi, Tchelinho e cia refletem a melhor infusão entre o funk carioca e as tendências norte-americanas de música eletrônica, mais especificamente a cena de Baltimore. Com participações de alto quilate MC Carol, BaianaSystem, Lia Clark e outros reproduz com exatidão a diversidade sonoro de DNA autêntico da cena urbana carioca, de batidas densas.
Igapó de Almas – Laborioso Vinho
O segundo disco de estúdio da banda potiguar capitaneada por Henrique Lopes é uma intrincada fórmula de experimentações bem torneadas, sem exageros e sempre procurando novas paisagens e emoções no ouvinte. Este disco é uma prova viva sobre a maturidade artística que a cena cria em algumas capitais onde ela existe de forma organizada há mais tempo. O disco soa ôrganico e coeso, com leve tom psicodélico. Essencialmente tropical, dentro de arranjos originais, como uma forma de saudar a diversidade musical e um contraponto aos tempos claustrofóbicos de urgência musical.
Lau e Eu – Selma
O disco já emociona na primeira faixa, com a mensagem de Selma, avó do artista. Logo o ouvinte já é avisado sobre o que virá a seguir: temas emocionais, familiares, confessionais. A voz melancólica do artista, acompanhada por um baixo que preenche os espaços, é uma cama de conforto por linhas melódicas e mansas de guitarra. A atmosfera intimista e de introspecção são bem embaladas em um clima de otimismo que sempre alcança o seu clima em dinâmicas mais diretas, valorizando os refrões. “Estar Vivo é Bom” é o exemplo perfeito destas dinâmicas, onde tudo acontece em perfeita harmonia. Lauckson tem apenas 19 anos, e nos presenteia com um álbum que dicotomiza maturidade e novidades para a música brasileira, coisa que para alguém da sua idade é apenas natural. A interpretação vocal – arrastada/narrada – do artista e a timbragem atual dos sintetizadores e guitarra, envelopada pelos instrumentos rítmicos é sensacional. Sem contar as incursões de rap, que nos causa a sensação de estar escutando música de 2018.
Lenine – Lenine em Trânsito
Lenine é dos artistas mais inventivos e interessantes dos últimos anos na MPB. E um ponto crucial que não há em muitos artistas, quando atinge um certo nível de sucesso, é ousadia. O pernambucano a teve desde o inicio. Gravar um disco ao vivo, com inéditas não é para qualquer artista, muito menos para qualquer público. Transitando em sonoridade “noise”, de texturas que faz qualquer corpo mexer, é dos discos mais interessantes do ano. Com uma pegada hard, hora dinamitando tudo o que está em volta, com auxílio de metais e guitarras distorcidas. Destaque para a grande poesia (outra vertente desse cabra) “É o que me interessa”.
Mahmundi – Para Dias Ruins
Assim como o nome do álbum, Mahmundi aborda o estado de espírito do fim de um relacionamento, desde o momento em que demonstra a “Alegria” de ter alguém ao seu lado, passando pelo sentimento de abandono, vontade de reatar, até para finalmente chegar ao amor próprio e vontade de superar o ocorrido.
Intensa e intimista nas suas letras, a artista entrega uma obra de vivências pessoais. Quanto à sonoridade, Mahmundi aprofunda toda sua brasilidade experimental, já demonstrada em seu álbum de estreia. O novo álbum aborda ritmos inspirados no soul com pitadas de bossa nova, misturando batidas eletrônicas e jazz, criando uma trilha sonora extremamente agradável de se escutar em momentos reflexivos.
Marrakesh – Cold as Kitchen Floor
O que antes era regra no indie nacional, agora é minoria. Poucas são as bandas criando música relevante que se mantém escrevendo em inglês. É inegável que se pode perder algumas oportunidades de emocionar, ao abandonar uma melhor comunicação em língua materna, portanto o desafio é maior. Em Cold As Kitchen Floor, os curitibanos do Marrakesh cumprem a missão com sobra. A obra emociona e vem cheia de alternativas, atualizada com as melhores tendências guitarrísticas e sintetizadas do indie atual. Voltando-se em dinâmicas arrastadas e distorcidas, empresta em alguma instância do trap até o paisagismo de escala sintetizada de M83, Washed Out e Wild Nothing. Um álbum que não deve em nada para a forte safra internacional.
Marcelo Cabral – Motor
Parte fundamental da engrenagem desta nova vanguarda paulista, Marcelo Cabral lança disco solo no mesmo ano que seus párias Romulo Fróes e Rodrigo Campos, o que só demonstra a força deste ano na música. Arranjos volumosos, timbrística grave e versos emergentes, evocam um clima de profundidade e imersão logo na primeira faixa, “Cadê”. A dinâmica se abranda entre a ressaca e a sutileza da espuma do mar. Dissonância também mostra a sua cara por aqui, em uma tônica de ansiedade e TDAH. “Motor” lembra “Construção” do Chico desta forma, duplamente neurótica, ansiosa como os dias atuais e aflita.
Maria Beraldo – Cavala
Em Cavala, Maria une a brasilidade à profundidade de ecos vocais e batidas da escola da Grimes. Letras atuais, empoderamento como tônica, onde a cereja do bolo é a versão totalmente 2018 de Eu Te amo do Chico Buarque. É um disco absolutamente sensual intercalado com momentos de introspecção. Simplicidade harmônica como pano defundo para a forte personalidade da artista, com outros de maior complexidade, caso de “Maria”.
Odradek – Pentimento
E quem diria que o math rock em toda extensão da sua angularidade ainda seria capaz de render um disco entre os melhores brasileiros de 2018? Para o prazer dos carentes fãs de Slint e toda a geração que criou uma marca única no rock noventista, o Odradek coloca sua estaca como um dos melhores representantes do gênero na atualidade.
Paes- Mundo Moderno
Em seu segundo álbum de estúdio, o artista pernambucano, Paes retorna após 5 anos. Esta temporalidade, calma, orgânica e sem pressa caracteriza muito bem Mundo Moderno, que segue estruturas mais brandas, dentro de um entroncamento pouco óbvio em seus arranjos e desdobramentos harmônicos. A questão do timbre também se destaca aqui. Canções simples de estruturas pouco óbvias, onde a voz melancólica do artista conflita com dinâmicas que ganham cordas impositivas, um baixo vivo e uma guitarra cativante, dentro destes padrões de um pop mais brando. O piano elétrico também marca posição. Paes é uma resposta gostosa e brasileira para bandas que nos costumamos a admirar, inevitável não citar The War on Drugs, de Granduciel. A questão do espaço é também utilizada de maneira muito criativa. O álbum termina e nos convida de imediato para a segunda audição.
Rashid – Crise
Se dentro da crítica social, Djonga vence pela raiva e o xingamento, Rashid vence pela argumentação. A lucidez e fluência do rapper em expor o Brasil atual que oprime minorias, principalmente os mais pobres é um 10/10. Tudo isso dentro de harmonias soul e uma toada deliciosa. Assertividade e urgência das ruas, com grande artisticidade da cultura musical negra.
EPs
La Leuca – Dente de leite
Direto de Florianópolis, La Leuca surpreende logo em seu primeiro EP, pela maturidade de composições vigorosas dentro do indie pop com leves asas psicodélicas.
Drik Barbosa – espelho
O rap e o R&B impositivo de Drik Barbosa é uma das melhores novidades no gênero este ano.
Desgraça – Madrugada
Estruturado como um EP, o power-trio formado por Vitor Brauer (Lupe de Lupe) e os alagoanos Felipe Soares (Amandinho) e Rodolfo Lima (Ximbra), traz em Madrugada uma sequência vigorosa e condizente com o trabalho pouco óbvio que essa turma se propõe. O disco do Ximbra, ano passado, ficou entre os 10 melhores em nossa lista. Lupe de Lupe e o próprio Vitor, são semi-heróis com o risco endiabrado de sua discografia, alternativa em toda a extensão da palavra. Aqui contornos de funk, com música eletrônica, hardcore e metal são os talos que todo mundo joga no lixo. Na mão destes caras, vira um banquete.
Releitura
Ceumar, Lui Coimbra e Paulo Freire – Viola Perfumosa
Disco que revisita o cancioneiro de Inezita Barroso, uma das maiores figuras da música caipira do nosso país. Viola Perfumosa trás pérolas bem conhecidas como Luar do Sertão, Moda da pinga e Índia. Mas resgata outras lá da década de 1910, como a linda seresta Amo-te muito. Um disco de alto refinamento no cancioneiro caipira. Destaque para Tamba-tajá, de ouvir com os olhos marejados; da voz sempre límpida e impactante de Ceumar; do erudito violoncelo de Lui Coimbra; e da viola e violão acachapantes de Paulo Freire e Ceumar.
Ao Vivo
Caetano, Moreno, Zeca e Tom Veloso – Ofertório
Caetano disse que queria fazer um show para reunir os filhos e estar perto deles no palco. Ofertório permeia músicas do pai e dos filhos. Tudo soa unissono nesse disco. A continuação de uma voz sobreposta a outra é a ligação do DNA dessa família. O patriarca exalta em voz e poesia a sua carreira, junta com o samba de prato de Moreno, e o falsete de Tom. Esse num grande momento do show, com a sua Todo homem, música minimalista, de grande força poética. Moreno volta, depois de adulto, a entoar How beautiful could a being be. O canto do povo de um lugar é universal, o canto de uma família é centrado no mundo. Um dos discos mais felizes de Caetano, impossível não ouvir e pegar-se com um sorriso no rosto.
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