por Flavio Testa, exceto Alt-J e Kasabian por Matheus Bonetti
O sábado no festival começou nublado com sol ocasional na maior parte do dia e noite de garoa fina no último show, de Jack White. O cartel de atrações nos prometia Fitz and the Tantrums, Alt-J, St. Vincent ou Kasabian, Robert Plant e Jack White. Skrillex e Major Lazer.
O público presente de 66 mil pessoas acomoda muito bem dentro da estrutura gigantesca do festival, o problema acontece com as multidões na maioria dos shows e na saída ainda caótica e salve-se quem puder. A primeira situação se resolveria caso maiores confrontos que dividem o público, de fato ocorressem. A maioria das pessoas reclamam quando dois artistas que elas gostam concorrem. Mas este é o melhor cenário possível, um cardápio recheado de bandas boas, que genuinamente dividam o público entre os palcos, a escolha é de cada um sobre o que assistir ou não. O problema é que o Lolla ainda apresenta muitos horários onde a concorrência é miníma ou não existe, deslocando quase todo mundo pro mesmo palco e tornando a experiência visual da maioria em um show de formigas. Jack White x Bastille x Major Lazer e Kasabian x St. Vincent foram os grandes confrontos do primeiro dia.
Já sobre a segunda situação, desovar esse povo ainda continua um dos principais desafios do Lollapalooza. Sem atrasos e com tudo dentro do programado, o festival acabou de forma pontual e o trem continua sendo a melhor opção para ir embora, mas ainda é uma jornada, a lei da selva impera, o festival precisa pensar uma forma de deixar a experiência um tanto mais digna. E não adianta sentar no próprio rabo, com a desculpa esfarrapada que são os velhos problemas de São Paulo. Tentar segmentar o horário de saída, com atrações após o headliner é uma das opções, bastante praticada em festivais gringos. Mas isto será possível, quando o transporte público da cidade trabalhar em horário diferenciado com o festival.
Novamente os pontos mais altos do Lollapalooza ficaram por conta dos shows, principalmente Jack White e depois St. Vincent. O festival acerta sempre que se arrisca em escolhas menos populares.
Alt-J não serve para “palcão” e “festivalzão”
Tocando para um público ainda bem disperso às 16h da tarde, o Alt-J conseguiu cativar apenas os mais atentos ao show. Sua sonoridade viajante se desprende um pouco da escalação do festival e do seu dia, talvez colocado erroneamente no palco principal Skol. O palco alternativo seria ideal para os britânicos, num início de noite, causando mais comoção e reflexão de suas músicas. Tirando esses fatos, a banda performa suas músicas numa perfeição inigualável, meticulosamente planejada e com potencial ao vivo incrível. “Hunger of The Pine” e “Fitzpleasure” deram o ar do que viria na apresentação do Alt-J – essa última com um grave extremamente poderoso. “Matilda” e “Taro”, assim como o show realizado na Lolla Party, foram companhadas por uma boa quantidade de fãs que a banda já carrega com apenas 2 álbuns na carreira. “Breezeblocks“, a mais conhecida do grupo, fechou a competente apresentação. Funcionou? Funcionou, mas poderia ter sido melhor, sem culpar a banda.
Já com o Kasabian, a história é outra
Uma espera de pelo menos 3 anos após o cancelamento do show dos britânicos no Planeta Terra 2012 ajudou a impulsionar ainda mais o show de arena proporcionado pelo Kasabian no Lolla. Com muitos pedidos de palmas a todo momento e agitação dos fãs (e dos curiosos por todo o Palco Onix) pouco a pouco o espaço ficou cheio – com os fãs mais concentrados á frente do palco. Sergio Pizzorno era o responsável por não parar de pular um segundo sequer e tocar freneticamente sua guitarra e demais instrumentos, enquanto a “pose” de Tom Meighan responsável por desafiar o público. Com atitude, hits e musicas que provocam o publico, o Kasabian promoveu aqueles shows de festivais que sabe fazer muito bem e que fechou uma noite incrível no último Glastonbury mais do que merecida. Mesmo o horário não sendo o mais adequado talvez por causa da iluminação e também por acontecer juntamente com o esperado show da St. Vincent, os britânicos mereciam um horário mais privilegiado no line-up do dia – coisas normais em festivais, ainda bem. Porém, a banda não fez questão nenhuma disso. passou por cima e entregou um show grandioso para um público grandioso. A abertura potente com “Bumblebee”, o hit “Underdog“, o coro em “Fire”, o cover da pop “Praise You” e o encerramento com “L.S.F (Lost Souls Forever)” foram sem dúvidas grandes momentos da performance dos caras.
St. Vincent, inevitável não lembrar de Bowie
Música pop em forma de arte, camaleônica, performática e visualmente provocativa. Poderia estar falando de David Bowie, até porque gêneros humanos não se aplicam da mesma forma em seres espaciais, então tanto faz (a) ou (o), feminino ou masculino. No caso, falamos mesmo de St. Vincent. Artista que como poucas, representa exatamente a essência do indie e atua como protagonista deste mundo – o grammy de melhor álbum de rock alternativo não me deixa mentir. Annie saiu da 4AD e foi pras asas da Universal Music. E permanece inabalável, desafiadora. Sem se entregar às garras do popular, no sentido de desencanar da arte e das experimentações para ser mais um pastiche comercial.
O indie ficou tão mal-falado ultimamente, pois se associou de maneira cabal com bandas de pop/rock adolescente. Na maioria dos casos passa bem longe das origens e das intenções originais do indie, aquela de não se prender em barreiras comerciais, a inquietude de experimentar, de colocar novas fronteiras nem sempre tão agradáveis ou comuns.
Música pela arte e não pela rádio.
Annie tem sobras de todas estas características.
Ela faz um show coreografado, esteticamente limpo e planejado para adular os olhos dos espectadores. Ela provoca através da imagem e da música. Ao vivo, as músicas crescem ainda mais, porque entra o fator peso, e principalmente, o feeling da Annie com a guitarra. Ela entrega uma dinâmica característica, tão característica que é um destaque e que transmite o diferencial musical da artista, robótica e espacial.
Strange Mercy continua sendo o melhor disco pra mim. Sendo assim, não consigo deixar de destacar: “Cruel”, “Surgeon” e “Cheerleader”. Mas as músicas do novo disco estão muito boas também. Impressionante como elas crescem ao vivo, como por exemplo em “Rattlesnake”, “Digital Witness” e “Birth in Reverse”. Falando sobre esta última, aliás que final de show, somando com “Your Lips Are Red”, apoteótico. Annie esmerilhou a guitarra, foi pra galera de cavalinho – ritual que ela pulou na Argentina – se embrulhou na bandeira do Brasil e morreu.
Amém, St. Vincent.
Robert Plant, não fazer turnês caça-níquel com o Led Zeppelin, não é sinônimo de que esteja fazendo um trabalho bom
Eu vi muito gente falando que o Robert Plant ao não se entregar as turnês milionárias pra reler o clássicos do Led Zeppelin, estaria envelhecendo com dignidade e que artisticamente está sendo muito mais relevante e… pior, que este show dele é bom. Foi sem dúvidas, um dos shows mais enfadonhos que eu já assisti, uma banda sonolenta.
Plant com aquela pose e entonação de voz de frontman dos anos 70 não combina com esses arranjos mornos. As composições do mediano disco lançado ano passado parece que diminuem ainda mais ao vivo. As músicas do Led, definitivamente diminuíram ao vivo, alguns pontos emocionaram é verdade, como em “Baby I’m Gonna Leave You”, “The Lemon Song” e “Black Dog”.
É bom ver também que Plant está bem, a voz está boa e o artista ainda tem fôlego o suficiente. Mas não rolou, para um set tão fortemente baseado em composições do Led, é melhor que se mantenha o original com Jason Bonham no lugar do pai e caçando os merecidos níqueis. O nome da banda é até legal Sensational Spaceshifters, pelo nome parece psicodelia pura, o que passa longe, muito longe disso. N
JACK WHITE, E O RESTO
Jack White fez o melhor show da história do Lollapalooza Brasil, superando inclusive o ótimo Arcade Fire no ano passado. Ao vivo, posso falar tranquilo, ele tem uma das melhores bandas de rock da atualidade. Pós-00 não preciso nem pensar duas vezes, é a maior sem dúvidas. A banda dele só dignifica ainda mais a coisa toda, principalmente duas figuras: o baterista Daru Jones, um show à parte, energia, precisão, performance visual e puro soul. E o contraponto feminino de Jack White, Lillie Mae Rische, que canta e toca o que vier pela frente: teclado, guitarra, e na banda ela se concentra, principalmente, nas harmonias vocais e no violino. Não tem como não estabelecer uma relação com Johnny Cash e June Carter, inclusive na tensão/afinidade que transborda do palco para a plateia, uma pessoa chegou a comentar comigo que parecia que “ele era mais a fim dela, do que ela dele”. Eu entendi o que ela quis dizer. White, natural de Detroit, mas que já adotou a cidade de Cash há muitos anos parece exatamente procurar isso, assim como Johnny procurou June.
A sonoridade atual de White, cada vez pende mais ao country, o sucesso dele no palco, se deve muito a força de suas composições que dosam bem os momentos furiosos de sujeira e demência na guitarra, com momentos de levada mais branda e controladas, absorvendo influências de raiz da música sulista norte-americana. Rock/blues x Country/folk, como essa dinâmica é planejada e entregue, certamente aí reside um dos pontos-chave de sucesso no show do artista.
Pra fechar a conta, ele tem repertório como poucos. Com versões rearranjadas, algumas condensadas, noutras maximizadas nos instrumentos, ou mais “limpas” como a bagaceira original que era “Fell In Love WIth a Girl”, ele apresentou praticamente metade do seu repertório em músicas do White Stripes, de tal forma que consegue surpreender mesmo nos hits de sua velha banda.
Tocou duas do Raconteurs, “Top Yourself” e “Steady as She Goes”, fato que não aconteceu nos lollas chilenos e argentinos.
Um show que começa com “Icky Thump” e termina com o maior hino das arenas esportivas, “Seven Nation Army”, não pode dar errado. E não deu.
Os solos também merecem destaque. A guitarra de White está no controle das operações, mas não abdica o centro das atenções o tempo inteiro, nos solos a guitarra respira e improvisa, mas tudo ridiculamente bem alinhado com a banda. Não tem um gato morto no show. E olha que eu tentei achar.
White de natureza minimalista com o White Stripes, proporciona um banquete com a sua nova banda, do pedal steel, ao piano e violino. A sala é grande e a mesa é farta. A predominância do azul e o visual de um laboratório de cientista maluco, de filme sci-fi dos anos 50, complementa toda a parafernália responsável pela experiência. O rock não morreu, apenas envelheceu. E no caso de Jack White, a maturidade lhe transformou em algo ainda melhor. Tal como um bom bourbon do Tennessee.
LEIA TAMBÉM: Lollapalooza 2015 acerta na direção artística, erra na ganância e empata na logística
You might also like
More from Lollapalooza Brasil // Cobertura 505 Indie
Lollapalooza Brasil 2018: festival encontra a conta do equilíbrio com shows memoráveis de LCD Soundsystem e David Byrne
Introdução, Spoon, LCD Soundsystem, Mac DeMarco, Tash Sultana, Liniker e The National por Flavio Testa Oh Wonder, Chance the Rapper, .Anderson …
Guia Alternativo do Lollapalooza Brasil 2018
Esqueçam os Headliners (ou não), preparem as cabeças balançantes e venha experimentar diferentes sonoridades com o nosso Guia Alternativo do …
Lollapalooza esgota ingressos de sábado e Lolla Pass
O Lollapalooza Brasil acaba de esgotar os ingressos de sábado, dia 24 de março. O sold out acontece a pouco mais de um mês do evento, …