Em um mundo distópico futurista a sociedade é dividida em duas. A parte pobre, conhecida como Continente e, a parte rica, conhecida como Mar Alto. Ao completar 20 anos de idade, a população pobre tem a chance de enfrentar um processo seletivo onde apenas 3% dos candidatos são selecionados. Aos selecionados é dado o cartão verde para ascender ao lado mais rico. O controle populacional sugere – grifa-se sugere – ser a solução para o bem-estar social neste futuro, onde existe alta tecnologia, porém enfrentando uma finitude mais nítida de recursos naturais. O fato da série apenas sugerir, e não explicar, é um dos diversos problemas de 3%, a primeira série brasileira produzida pela Netflix.
A série peca por não dar profundidade ao seu mundo: seja no aspecto histórico, geopolítico, antropológico, sociológico, enfim em qualquer esfera que você queira aprofundar sobre os alicerces de construção de uma civilização. Não menos desinteressante são seus personagens, que dividem-se entre caricatos e incipientes. Em nenhum caso existe uma construção de personalidade bem definida. Os protagonistas e antagonistas não causam boa impressão e nem desprezo, na verdade não causam nenhuma emoção. A história e motivação de cada personagem é trazida de forma tão banal que entedia, principalmente quando a narrativa sai do seu palco principal e parte para explicar o passado dos personagens em histórias paralelas.
Os diálogos são medonhos de tão artificiais. É cada frase forçadamente colocada no roteiro, que até peça de colégio consegue ser mais natural. Tem hora que chega a dar vergonha, como por exemplo no momento em que o líder do processo seletivo, Ezequiel, explica a diferença de dedução e indução. Soa como “precisamos de uma sacada inteligente pra não parecer que somos tão superficiais.”
As atuações são as mais sofríveis possíveis. Lógico que com um roteiro tão pouco convincente deve ser difícil transmitir credibilidade às cenas, mas o que aconteceu aqui foi a união dos dois poderes: atuação e diálogos transitando entre o vergonhoso e razoável.
Os únicos relances que convencem são os momentos de ação deste concurso. Mas, logo, estas provas também ficam tediosas e sem imaginação nenhuma. Passar do primeiro episódio só com MUITA boa vontade ou curiosidade pra ver se em algum momento melhora.
Continua a mesma coisa e, eventualmente, piora.
Os cenários são pobres, basicamente tudo se passa dentro de um quartel, onde os testes acontecem. Do lado de fora, o ambiente de clausura está rodeado por montanhas e deserto, mostrado sempre em plano aberto, através de algum tipo de efeito visual computadorizado. Logo no primeiro episódio, os personagens deixam o mundo favela que habitam, e dirigem-se para este quartel, atravessando escadarias, que DE REPENTE, se torna esta tal computação gráfica de montanha e deserto, com um quartel no meio.
Pior, no episódio três uma criança invade este quartel e, depois, na hora de sair, saí por um gramado, atravessando uma vala de esgoto e entrando embaixo do que aparenta ser um viaduto.
(???)
SIM, é confuso mesmo. Confuso no sentido de preguiçoso e não por algum propósito artístico.
Tem outros casos flagrantes de preguiça com a história. Por exemplo, pelo fato dos personagens usarem um microchip atrás da orelha, que serve como identificação pessoal, o RG deste planeta. No processo seletivo, eles passam por triagens rígidas envolvendo supervisão humana e tecnológica. No entanto, existem dois falsários que facilmente se identificam por cicatrizes toscas que possuem atrás da orelha. Mas nenhum examinador checa ou enxerga isto. Ou seja, a seleção mais importante e rígida desta sociedade avançada possui fraudadores e avaliadores mais grosseiros do que aqueles envolvidos na última prova do ENEM, onde o Brasil inteiro ficou sabendo do ponto que alguns candidatos usavam no ouvido e o sistema de comunicação através de rede móvel e tosse.
O sistema de fraude e detecção de uma série de ficção científica, que tem um potencial infinito de imaginação tecnológica, é absurdamente inferior a nossa realidade.
A série lembra Big Brother em certos momentos, porém as relações humanas do reality show são, obviamente, melhor desenvolvidas.
O mais próximo que existe de 3% são filmes como Cubo (1997) ou Circle (2015), onde ambos entretém até o fim, pois nestes casos apenas o jogo importa. A série tenta fazer algumas construções (até porque ela precisa durar por vários episódios). E, na pretensão, torna tudo raso demais. É como se misturassem Cubo + Big Brother + Malhação (pelo aspecto infanto-juvenil). Só que, no caso, o todo é menor do que a soma das partes, contrariando Aristóteles.
Por fim, o pitoresco destaque negativo musical. Tentaram por A mulher do fim do mundo como trilha sonora para uma personagem, Joana. Então, em um mundo que não tem nada a ver com a nossa cultura, a não ser pela vaga lembrança de pobreza, começa a soar a voz de Elza Soares: “Meu choro não é nada além de carnaval. É lágrima de samba na ponta dos pés.” Chega a doer de tanto que destoa… uma letra tão colorida, tão cultural, misturada em ambiente tão pálido e asséptico. O único tipo de trilha sonora possível nesta série é música instrumental, aliás até em ficções científicas bem construídas, a música instrumental é a melhor escolha.
Netflix começou tomando 7×1 em território nacional. Desculpe-me por escrever este clichê, já encheu o saco também essa história de usar 7×1 pra explicar todo fiasco. Enfim, não perca o seu tempo. Não vou arriscar dizer que é a PIOR série da Netflix, porque não assisti todas as séries. Mas desafio você, leitor, sugerir-me uma série pior do que esta.
Nota: 0
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8 Comments
muito ruim mesmo. fui até o final pq estava achando hilario!
Porem gostei dessa musica instrumental, me lembra muito a musica “menino e o mar” de João Bá… até imaginei q poderia ser inspirada nela, porem n creio q quem criou isso escute joão bá ahahahah!!
A música é de Heitor Villa-Lobos, rearranjada por André Mehmari