No sábado, dia 23 de setembro, acompanhamos o show em comemoração de 1 ano do lançamento do álbum Miocárdio, do recifense Barro.
Na apresentação de pouco mais de 1 hora e 30 minutos, acompanhado de Ricardo Fraga (bateria, sampler e baixo) e Guilherme Assis (baixo, sintetizador, teclado), Barro mostrou uma nova pegada para as música dos álbum, que se reinventam com novos arranjos, improvisos e solos, trazendo mais calor e energia para as canções afetivas do disco. Com um público pequeno mas envolvido pelo clima, o show contou com projeções de William Paiva, ilustrador e animador pernambucano, parceiro de longa data de Barro, que cria interações rítmicas entre o som do palco e as imagens projetadas na tela. Além disso, o espetáculo foi favorecido pelo belíssimo Auditório do Ibirapuera, com seu conforto e excelente acústica, além da surpresa na canção “Miocárdio” quando o fundo do auditório se abriu revelando todo esplendor do Parque do Ibirapuera. (Não perca as fotos no final)
Antes da apresentação, conversamos com Barro no espaço onde ensaiam os músicos da orquestra do Auditório. Em um clima informal e descontraído, Barro falou sobre o processo de produção do álbum, a pluralidade do trabalho, a cena musical e sobre o futuro.
505Indie: Com o perdão do trocadilho, qual o coração do disco?
Barro: Sonoramente a gente tem um aspecto muito forte que é essa mistura dos samplers com os intrumentos, isso aí acho que é o coração do disco, essa mistura sonora. E essa almagama que a gente foi fazendo e conseguindo uma interação muito forte entre coisas que são tocadas e programadas. Outra coisa muito forte do disco são os temas que eu trato na música. Eu falo muito sobre afeto, afetividade, e as várias camadas e nuances desse aspecto, como isso pode ocorrer em várias dimensões. E também o aspecto das participações, apesar de ser um disco solo tem muitas participações.
505Indie: E essas colaborações, como elas surgiram?
Nota do blog: No álbum Barro conta com as participações de William Paiva, Rogério Samico, Guilherme Assis, Ricardo Fraga e Gui Amabis na produção, diferentes músicos na gravação como Jam da Silva, Gilú, Maurício Fleury e o baixista Dengue, da Nação Zumbi, além dos duetos nos vocais com Serena Altavilla, Juçara Marçal (Metá Metá), Catalina García (Monsieur Periné) e Lisa Moore (Blood and Glass).
Barro: É muita gente. Mas foi essa vontade assim… Eu sempre toquei em bandas, e banda é sempre um grupo fixo, aqueles membros. E quando eu parti para o trabalho individual, eu tive a possibilidade de escolher uma banda para cada música, e isso me deu vontade de interagir. O trabalho Miocárdio é muito amplo em termos sonoros, o que me deu a possibilidade de chamar mais pessoas, e cada faixa fazer um elo de conexão.
505Indie: E a gente percebe que as faixas tem a pluralidade na questão do idioma, músicas em espanhol, italiano, françês, como foi esse processo de criação?
Barro: É, eu morei fora em 2005 e eu comecei a falar outros idiomas. A partir dessa experiência eu saquei que por trás de cada idioma existe também uma sonoridade das palavras. E isso podia me ajudar a compor. Eu começei a compor em outros idiomas e fui achando um caminho. Quando eu fiz o Miocárdio eu queria trazer essa dimensão de composição que eu trabalhava para o disco, mas também como fazer isso. E a forma que eu encontrei foi a cada nova lingua, uma participação de uma cantora que representa o elos culturais que eu tentei sintetizar no trabalho.
505Indie: Essa questão da colaboração também tem a ver com cena de recife? Existe uma parceria grande entre o pessoal?
Barro: Acho que cenas em geral, elas se estabelecem através de trocas. Mas o meu disco se revela muito na parte sonora a parceria com Recife, nos músicos, mas na parte visual são colaborações que não se prendem a uma geografia. O cara que fez a arte mora na França e é mineiro, as cantoras, uma veio da Colombia (Catalina García), outra do Canadá (Lisa Moore), outra da Itália (Serena Altavilla) e a Jussara Marçal que é Brasileira. Mas de certa maneira tem um núcleo de produção músical que é o Ricardo e o Guilherme, que tocam comigo, e somasse a eles o Rogério e William que era uma galera que eu produzia muito – eu fazia produção musical para outros artistas – e a gente se revezava nesses encontros e as combinações surgiam. E esses caras me deram a força de saber que eu podia ter uma boa qualidade de gravação com a galera que eu tinha lá. E aí veio o elemento externo que é o Gui Amabis (Céu e Lucas Santtana), que veio de São Paulo e já tinha uma carreira forte e trouxe os elementos do trabalho dele que eu já curtia muito e quis trazer para o meu álbum.
505Indie: Nós percebemos que o disco, como artista recifense, tem bastante influência da música regional, mas que escutando com atenção soa bastante cosmopolita, de uma forma que dialoga com outras cidades, não só com Recife. Diversificar isso ajudou a construir o disco e foi pensado nesse sentido?
Barro: A cultura brasileira de uma forma geral tem essa caracteristica, desde 100 anos atrás, estamos indo para comemoração de quase 100 anos da semana de arte moderna de 1922, ela já tinha esse olhar antropofágico, isso influênciou tudo, influênciou a bossa nova, depois a tropicália, Alceu Valença, o próprio Dominguinhos, um cara que vem do forra mas que dialoga Jazz, com música do mundo inteiro, então a nossa música tem muita consistencia, e eu nem acho que o regional é uma palavra que dá conta disso…
505Indie: De ser tão abrangente né
Barro: A gente tem um geografia, que é da gente, mas isso diz mais como o mundo separa as coisas, do que do valor das coisas em si.
505Indie: E no shows, você toca com o Ricardo e com o Guilherme, e como vocês se desdobram para esse power trio dar conta da quantidade de camadas que tem no disco?
Barro: Antes de lançar o disco a gente fez vários shows em Recife, nos lugares mais precários possivel. Nosso show tem sei lá, 20 canais, a gente fazia show com 4, em situações muito adversas, isso foi dando uma base forte. E tinha uma coisa tecnologica que a gente foi tentando resolver. Nós curtimos muito tecnologia, os meninos adoram e ficam pirando como interagir e trazer novos elementos. Então a gente gastou muito tempo tentando achar, tocando, e vendo “Pô, talvez esse sampler seja demais… pega aquele tecladinho que tá lá escondido, vamos botar ele no show”. Então é realmente fazer, se expor.
Desde o começo do meu trabalho eu optei por essa coisa offline, primeiro eu fazia o show, depois eu lançava música, primeiro eu tocava na rádio, depois postava no youtube. Eu penso ao contrário do que as pessoas tem feito…
505Indie: Verdade, hoje a internet é o canal primario então primeiro lança a música no Youtube, só depois vem o show.
Barro: Eu queria fazer o contrário, que tudo viesse do ao vivo, do calor, do contato, da relação direta.
Até porque eu acho já existe uma falência desse modelo apenas internético. E é tão forte quando a gente se encontra pessoalmente, como aqui agora, como já tem um grau de experiência muito mais intenso e profundo, e também meu trabalho tem haver com isso, afirmar esse aspecto.
505indie: Acho legal essa visão por que se percebe esse calor no disco e acredito que isso toque as pessoas. E dentro do repertório, tem alguma surpresa no setlist?
Barro: Tem uma interpretação de Libras, da linguagem dos sinais, então foi importante seguir um setlist como medida de inclusão 100%. Mas no bis a gente vai fazer uma música nova chamada “Onda do Desejo”, que é uma música do carnaval mais lasqueira de Recife, dos anos 90, é uma música que a galera tem até um pouco de preconceito, é bem popular e a gente fez um arranjo novo. Ela é de um grupo chamado banda pinguim (risos), que era os trios, é o axê de Recife que ninguem conheceu por que o Manguebeat foi muito mais forte.
505Indie: Falando um pouco de “Poliamor”, vai sair o clipe na próxima semana e hoje (no show), vamos ter uma prévia exclusiva, conta um pouco de como foi a produção do clipe.
Barro: Foi o André Gonzalez, que era vocalista do Moveis Coloniais de Acaju, e o Ednei, e aí a gente se conectou pelo som e o André deu essa ideia de fazer o clipe e eu disse vamos nessa. Eu já adorava os clipes dele, ele tem essa coisa muito visual muito bem feita, você vai poder conferir. E nós fomos gravar em Fortaleza onde o Ednei tem essa produtora e ele deu todo apoio. E chegamos lá nas praias, cheios de vidros e espelho refletindo as coisas e essa foi a ideia que guiou a coisas toda. E teve uma integração muito grande com um grupo chamado Teatro Máquina, de Fortaleza, e a ideia da música “Poliamor” era também expandir essa visão apenas do amor como algo relacionado a sexualidade. Pode ter mas na verdade esse nome “Poliamor” acho que inspira uma coisa grande nas dimensões do amor, afetivas, então cada membro do grupo de teatro chamou um querido seu, então uma menina chamou a mãe de criação, outro chamou o pai, o outro o namorado, e o clipe mostra um pouco dessas nuances, das várias faces das relações afetivas.
O clipe de “Poliamor” foi lançado oficialmente essa semana:
505Indie: Ainda sobre “Poliamor”, pra mim um dos maiores hits do disco, e tem o refrão muito forte com “Pode a vida / Pode o amor / Pode o tempo transformar” e hoje no Brasil vivemos um momento politico e social conturbado e intolerante, você acha que amor e empatia pode ser a resposta?
Barro: É a única resposta. Para tudo né? Eu tenho muito dificuldade de viver nesse momento, por que na minha cabeça um pouco utópica, o mundo seguia uma linha assim (faz o sinal para cima), e a gente tá discutindo coisas que eu já ouvia antes, de respeito a raça, de respeito a gêneros, e claro que tem pautas novas que surgiram e são importantes serem somadas nas transformações, e tem pautas que são básicas, tanto é que essa lei foi dos anos 90 (em referência declaração da OMS de 1999 que a homossexualidade não é doença) e parece que agente tá andando para trás, isso não pode acontecer.
O que só reflete dimensões muito mais profundas de um golpe que a gente sofreu – politico, mas que atingue dimensões sociais, a politica é isso, um todo, um almagama de vários cortes e perdas que a gente vai tendo, ou ganhos, e tá horrivel assim. E a única resposta é de afirmar os direitos das liberades, que vem lá da Revolução Francesa, coisa de séculos, parece que a gente não chega em coisas muito simples. E essa música parece, não é oportunismo, me parece importante, me ajuda a afirmar meu posicionamento com a história, com a canção e se ajudar outras pessoas a terem mais clareza, eu fico feliz.
505Indie: As composições, elas são todas recentes ou tem coisa que você tinha guardado lá no baú?
Barro: Tem uma que é a “Nouvelles Vagues” que é anterior, que era exatamente essa coisa francesa que eu tinha na minha banda Dessinée que eu quis trazer. Mas era um françês diferente, da cena parisience, e eu queria trazer um françes meio africano, mestiço, e essa música tem essa caracteristica.
Todo o resto foi feito no processo de gravação. Quando eu decidi fazer o disco eu falei “eu vou compor” e não quis trazer nada, quis vivenciar e a partir da vivência ir mostrando que isso é legal, isso tá acontecendo agora. E “Poliamor” por exemplo, são pautas que surgem das discussões que estão acontecendo, e isso pra mim é importante. Não chegar com o jogo ganho e se jogar, o disco também é um convite para ver o que você tem a dizer naquele momento e surgiram essas músicas.
505Indie: Falando um pouco sobre música independente, nós acompanhamos diariamente a batalha dos artistas, como você vê hoje o mercado para os independentes?
Barro: Acho que a gente vive um momento criativo fantástico, amanhã eu vou no show da Aíla, e eu tava ontem no Francisco, El Hombre, tem tanta gente que se eu for citar é desonesto, mas é um momento muito forte, muita criatividade, muita produção intensa, só que para gente sobreviver e para coisa funcionar precisa ter uma mídia, e daí a importância do que a gente tá fazendo agora, repercutindo esse trabalho, dando uma dimensão maior para que mais pessoas possam conhecer e se engajar, para que a conta feche. E isso só acontece quando tem dois aparatos importantes, a mídia e a parte digamos da industria fonográfica.
Existiam as gravadoras que apoaivam muito e faziam a ponte com esse mídia, mas de uma forma excusa que era o jabá, só que na prática, até os anos 90 isso aconteceu e proporcionou carreiras que dialogam com várias pessoas. Então eu acho, por exemplo, que a Baiana System tem o mesmo potêncial que o Skank, no sentido de falar com muita gente, só que o Skank teve um aparato – e um tempo lógico que não dá para comparar, que garantia que ia se comunicar com 100 mil pessoas…
505Indie: Tocava no rádio e na TV o tempo todo…
Barro: Isso, e as pessoas estavam expostas recorrentemente aquele som, e eu acho que falta essa parte.
A gente tem a internet, mas assim, qualquer pessoa que use o Facebook se mostra alguem inundado por um mar de informações, uma dispersão enorme, e aí construir uma carreira é para poucos. Tipo um Liniker talvez conseguiu assim, mas fora um caso ou outro que viralize e vai para outra dimensão maior, a gente tem essa dificuldade que ainda não se resolveu.
505Indie: O que eu sinto é que a internet do mesmo jeito que facilita para o artista, ela também fragmenta muito, então é tanta informação que o cara não sabe o que ouvir, e aí ele vai ouvir o mesmo de sempre.
Barro: É o mainstream da bolha. (risos)
505Indie: E o que eu vejo é que as grandes mídias que podiam prover esse aparato, como a TV e o Rádio, ainda estão muito fechadas no modelo gravadora/jabá e temos poucos programas que dão abertura para artistas independentes, e isso faz falta.
Barro: É isso.
505Indie: Um ano de Miocárdio, sei que é uma celebração hoje, você já pensa em algo para o futuro?
Barro: Estamos hoje estreiando as projeções, e isso apresenta o show de uma outra maneira e é muito significativo. Depois de um tempo a gente tá tocando melhor, as músicas estão criando outros arranjos, e eu não consigo chegar a lugares no Brasil de uma forma tão rápida, então espero pelo menos um ano a mais para conseguir ir a mais lugares, em novembro a gente vai para a Bahia fazer três datas, e vai ser a primeira vez que a gente vai para a Bahia e precisamos ir para outros lugares. Tem muita gente pedindo e isso é físico, tem que viajar, isso demora né, então esse é o desafio. Mas em novembro sai um single meu com um produtor italiano e vai ser uma música nova minha, e aí a gente começa a trabalhar em coisas novas, para um segundo momento pós-Miocárdio que eu ainda não sei o que é…
505Indie: Para a gente finalizar: Palco ou Estúdio?
Barro: Cara, eu gosto dos dois. No estúdio eu me sinto mais cientista assim, e no palco mais jogador de futebol, que eu gosto muito. E o Miocárdio tem haver com isso, de certa maneira um olhar cientifico, e ao mesmo tempo falando de afetividade, de coração, de sentimento.
505Indie: Legal Barro, muito boa a conversa, arrebenta no Show e muito sucesso!
Barro: Obrigado e boa sorte para vocês também!
Confira a galeria de fotos do show no Auditório do Ibirapuera:
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