É sempre bacana quando novas bandas surgem de localidades improváveis do Brasil. Isso só aumenta a representatividade e a riqueza de nosso som. Com mais de meio século de rock popular neste país, precisamos chegar ao ano de 2015, para que a primeira projeção nacional de Porto Velho acontecesse, através da banda Versalle.
E no caso deste clássico e jovem quarteto de rock, formado por: Rômulo (guitarra e backing vocals), Criston (vocais e guitarra), Miguel (baixista) e Igor (bateria), a oportunidade aconteceu através de participação no programa SuperStar da Rede Globo, depois de enfrentar todas as seletivas e chegar na final.
A televisão, como fez há 50 anos atrás, retoma o rumo de revelar artistas autorais, que possam prosperar dentro de uma cena artística brasileira. A última edição do programa não perdeu o conceito de entretenimento descartável, onde grandes sucessos já consagrados são reproduzidos por novos rostos, mas o programa mostrou uma correção de rota, ao trazer bandas com proposta autoral, e até certa rodagem no circuito, caso de Supercombo, Scalene e Tianastácia. Fugir da pecha de “conjunto” da TV, ou de apenas mais uma voz desprovida de conteúdo, para a busca por novos artistas, no sentido de mentes criadoras, foi um sinal de que ainda temos luz no fim do túnel e dias melhores podem surgir. É equívoco o pensamento de que a TV não possa formar algumas bandas com originalidade, que construirão a história da nossa música popular com as próprias pernas nos próximos 50 anos. Foi assim por muito tempo, aliás. Foi assim na TV Record, Excelsior, Globo e na MTV, possivelmente em outras. Por que não pode ser agora?
A Versalle surge com proposta original, onde as influências estão incorporadas na personalidade de seus músicos, como parte do que eles são e curtem. Imprimir influência na música como parte do que você é, é muito diferente de reproduzir sem que aquilo tenha sido digerido, sem que faça parte do que você é. Ainda com um certo ar de inocência e pureza nas declarações e composições, o grupo traz uma lufada de ar fresco em seu disco de estreia, Distante em Algum Lugar, lançado pelo selo SLAP, braço indie da Som Livre, em dezembro de 2015.
A sonoridade da Versalle consegue conciliar nostalgia com contemporaneidade. É o tipo de som que agrada um espectro etário mais amplo. Justamente por ser uma banda de jovens, naturalmente dialoga com seus contemporâneos. Mas, ao mesmo tempo, com maturidade musical muito acima da média, capaz de conversar com um público mais amplo.
O que fica claro no som, é a alternância entre momentos mais soturnos com empréstimos da post-punk, intercalados com momentos de mais excitação, vindas do rock alternativo de arena dos últimos 10 anos. Pela primeira vez, alternativo e arena couberam na mesma frase, com esta geração de artistas pós-00s, formada por Arctic Monkeys, Queens of the Stone Age, The Killers, White Stripes e Arcade Fire. A Versalle faz isso e ainda trabalha com os elementos que acredita, os espaços, a forma como a melodia respira, para depois tirar a respiração, construindo com coerência e equilíbrio músicas que provocam diferentes emoções ao longo da audição. Destaque para as faixas: “Mente Cheia”, “Sem Hesitar”, “A Saudade É Algo Que Eu Não Quero”, “O que Fazer” e “Dúvidas”, esta última uma faixa que começa meio Legião Urbana e encerra de forma apoteótica, em uma celebração confusa, ao estilo Primal Scream. Sensacional.
Conversamos com Rômulo, guitarrista e vocal de apoio da banda Versalle. Na entrevista, ele nos conta sobre a participação no Superstar, incluindo o apadrinhamento da Sandy, a cena de Rondônia, o disco de estreia, música nos tempos atuais, além da expectativa da banda para a apresentação no festival Lollapalooza Brasil, dia 13 de março.
505 Indie – Vamos falar sobre o começo da banda. Há quantos anos vocês estão em atividade? Em que momento perceberam que iriam viver de música?
Versalle – Estamos tocando juntos desde 2009. Em 2009, o cenário de bandas era formado só por banda mais pesadas. Inclusive, cada um de nós tocava em bandas pesadas de hardcore e de metal, mais por falta de opção, porque todos nós tínhamos mais gosto pelo rock alternativo. Até que o encontro aconteceu, “você gosta dessa banda aí, eu também gosto, vamos qualquer dia nos juntar pra fazer covers”, e então no primeiro ensaio o vocalista já mostrou uma composição própria, e logo no primeiro ensaio, percebemos que a pegada da banda seria essa mesmo. Em 2009 lançamos dois singles e recebemos um convite pra tocar no Casarão [festival de Porto Velho] e então a gente ficou nisto, a cena alternativa do Norte é bem difícil mesmo, era algo de fim de semana, só tivemos condições de se profissionalizar a partir do programa mesmo.
Participar do programa SuperStar abriu portas e oportunidades pra vocês. Como foi a experiência de estar no programa e ainda terminar entre os três primeiros?
Sim, abriu. A primeira coisa legal foi fechar um contrato com a Slap, a primeira banda de Rondônia. e a gente pensava isso no ensaio, era tipo uma utopia. Hoje isso se tornou realidade. qualquer pessoa que você pergunte em nosso estado, sabe quem é a Versalle e na época, apenas nossos amigos conheciam a banda e quem era ligado na cena de rock da cidade. Mudou nossa vida. Era um sonho bem distante que acabou acontecendo. Tem acontecido algumas coisas que afirmam que a gente tá no caminho certo, o que nos dá força.
E vocês acham que estão abrindo portas para novas bandas de Rondônia surgirem?
Sim, eu tenho plena certeza disso, depois do programa começaram a rolar mais eventos no estado. Teve um evento que se inscreveram mais de 30 bandas. Tem muito aquele lance de banda que começa, toca um tempo, e depois perde o gás. Teve banda que começou a tocar antes da gente e parou. Agora está voltando. A gente acabou virando uma inspiração na cena artística lá de Porto Velho e ficamos muito felizes por isso.
Muitas bandas fora do eixo Rio-SP estabelecem residência no eixo, após relativo sucesso, afinal tem mais espaço e mais mercado. Vocês vão se mudar, já mudaram ou continuarão em Porto Velho?
Já mudamos. Estou falando contigo do Rio de Janeiro, onde estamos desde dezembro, mas vamos nos radicar mesmo em São Paulo, onde já estamos com casa alugada, comecinho de março já estaremos morando em Sampa. E essa é uma realidade que vai durar muito tempo, as bandas continuarão vindo pra SP, por ter mais casas para se apresentar, mais artistas para interagir. É ruim sair de perto dos nossos familiares, mas é um sacrifício que vamos fazer em prol de um resultado maior que a gente almeja como banda.
Você falou desta coisa de vocês trocarem ideia com artistas, no programa SuperStar vocês tiveram a Sandy como mentora… e vocês são uma banda de rock. Como foi? Ela conseguiu passar alguma experiência relevante pra vocês?
Então, assim… com relação ao apadrinhamento da Sandy, ela estava ali com a gente, mas era mais uma coisa de imagem mesmo, sabe?
Mas só pra eu entender, como funcionava a dinâmica?
Não existia, só víamos ela na hora do programa, para ser bem sincero, quando a gente entrava no palco para se apresentar. Tivemos bastante contato com a produção artística do programa, lá existiam quatro produtores musicais, e cada banda era sorteada para trabalhar com um produtor, nós ficamos com o Torcuato Mariano, um cara que a gente ficou honrado de trabalhar e pegar um pouco da experiência dele, ele era guitarrista do Djavan, já foi diretor da EMI, o cara é um papa da produção musical e foi muito bacana trocar essa experiência com ele, também gente fina pra caramba. Então, muito mais determinante que os padrinhos que raramente víamos, os nossos verdadeiros mentores lá dentro foram os produtores musicais.
Como foi gravar o primeiro disco tendo o respaldo da Som Livre. Qual foi a participação deles no resultado final de vocês?
Eles custearam a produção do disco, nos deram um valor X para produzir, o que possibilitou que tivéssemos condições de gravar com todo o suporte que a gente sempre quis: instrumento bom, gravar com profissionais gabaritados, como Aurélio Kauffman e André Vale que são dois caras que foram muito importantes para o resultado do disco, a gente pôde gravar no estúdio Casa do Mato que tem uma puta estrutura. Então eles deram todo o suporte financeiro para termos condições de produzir o melhor resultado possível, foi um processo bem bacana a gravação deste cd. O álbum foi todo produzido dentro de apenas um mês, em outubro de 2015. Mas, foi tranquilo, porque tínhamos todas as músicas prontas, todos os arranjos feitos, então foi só uma questão de definir repertório e trabalhar a questão da timbragem, escolher os timbres corretos, dar aquela roupagem mais uniforme para as canções do cd. Até porque, o cd tem 12 músicas e todas elas foram feitas em momentos distintos. Tem música de 2010, outra de 2012, os cinco anos de carreira da banda tem composição neste cd. Então, este trabalho de coesão do disco foi o que mais deu trabalho de fazer na hora de produzir. O resultado ficou bem uniforme, o álbum tem começo, meio e fim. Ficamos bem felizes com o resultado, e quem for escutar, não escute somente as primeiras músicas, vá até o fim do cd, que é a parte que, pessoalmente, nós mais gostamos.
O que mais me agrada no cd é como vocês conseguem intercalar de forma muito original, um certo tipo de melodia melancólica da post-punk, com ritmo e momentos mais pegados, de explosão mesmo, do rock de arena. O vocal tem um jeito mais arrastado de cantar que lembra muito o Renato Russo. Como é, me fala sobre o som de vocês.
É… até comentamos bastante sobre isso, o timbre vocal lembra. Mas, conversando, a gente chegou em um consenso que a comparação, talvez seja pela falta de outros artistas que tiveram notoriedade e que esteja neste mesmo segmento. Até na época do Legião Urbana, ele chegou a ser comparado com o Jerry Adriani que era um cara de outro segmento, porque ele tinha o mesmo timbre vocal e porque não tinha mais ninguém para ele ser comparado e, na época, o Legião se inspirava em artistas internacionais como, Velvet Underground, no The Smiths e tal. E, hoje em dia, eu acho que história se repete de outra forma, porque, assim, a gente curte pra caramba Legião e fica lisonjeado com a comparação, mas as nossas influências são outras, tudo que a gente se espelha é da gringa. Curtimos muito esses caras dos anos 80, mas curtimos muito também o Interpol, daquela época o Joy Division, por exemplo. Mas curtimos mais coisas contemporâneas, como: Queens of the Stone Age, The Black Keys e Arctic Monkeys. Então, essa comparação, nós entendemos como mais por falta do que comparar.
A faixa Mente Cheia é uma das minhas favoritas, ela é toda construída em torno do refrão né. E tem uma coisa que vocês exploram bem nela, é a questão do vocal de apoio. É a música que eu ouvi e fiquei pensando: “essa música em estádio daria muito certo”. Vocês pensam isso quando vocês compõem uma música, quando tentam chegar em um produto final: “olha essa música aqui, é música de palco, é pra galera cantar e curtir.”
Sim, a gente percebe isso, escolhemos ela para ser a single do disco justamente por isso. Eu acho que ela tem todas as nossas nuances e sintetiza de uma forma bacana qual é a nossa proposta, sabe? E tem uma resposta muito positiva do público quando tocamos ao vivo. É a faixa que estamos colocando nas rádios. Estamos em vias de lançar o videoclipe dela, que já está finalizado, só esperando a liberação da Ancine, que deve sair agora em março. Eu achei muito bem observado isso que tu falou, de ter a parte mais melancólica e de ter a parte mais explosiva. O lance dos vocais também é uma coisa que a gente se preocupa bastante. Somos uma banda de guitarra, baixo e bateria, e nos preocupamos também com essa questão de ambiência na música, de uma parada mais atmosférica, então a gente tenta suprir a falta que um sintetizador faria, por exemplo, com os vocais.
Acho que vocês podem comemorar o fato de terem conseguido dosar bem a aprovação do público com o respeito da crítica, pelo menos o que eu li e debati sobre vocês com quem repercute e vive a música é, com, mais ou menos entusiasmo, um consenso sobre a qualidade da banda. É raro, ainda mais atualmente, uma banda conseguir alcançar respeito no sentido de reconhecimento, dos dois lados, de crítica e de público. No SuperStar foi a primeira, fora as bandas que já eram conhecidas da cena alternativa.
O que vem acontecendo, nós não pensamos como vamos agir para alcançar X ou Y, continuamos hoje com a mesma mentalidade que a gente tinha quando estava lá em Porto Velho, independente e tal, tentamos fazer o som mais verdadeiro possível. E tivemos meio que esse receio, sabe? De participar do SuperStar e ficar muito estigmatizado pelo programa, mas a gente percebe que isso não está acontecendo, pelo contrário, o programa foi um meio muito importante pra nós conseguirmos, mesmo sendo lá de cima do Brasil, de uma região mais isolada e ter conseguido entrar no circuito.
Vamos falar um pouco da parte de letra. Se generalizarmos, as letras de vocês tem uma temática mais romântica, onde a felicidade não está no tempo presente, mas existe a perspectiva otimista de que tudo vai ficar bem. Como surgem as letras de vocês e o que inspira?
Nove letras deste CD são do vocalista e três são letras minhas e de uma forma geral a gente prima por uma mensagem que toque o ouvinte. A letra é muito importante para que um trabalho não seja descartável e a gente escreve sobre o que a gente vê, a vida, as experiências e visão de mundo que a gente tem, sobre o fato que nem todo mundo é feliz e todo mundo sente isso. Eu acho que a arte tem esse papel de fazer refletir e a gente tenta levar isso em nossas letras, não ser só entretenimento, mas também provocar uma reflexão. É isso que faz uma música ser escutada por 10, 20… 30 anos.
E você acha que a música, hoje em dia, está vazia de mensagem e profundidade?
O mainstream sim, né. A gente vê que, é uma realidade tão grande isso, as músicas que atingem mais sucesso, são as mais descartáveis. Eu acho que acaba incomodando um pouco algumas pessoas ter que pensar. A grande massa se preocupa muito com a música como uma forma de diversão, quem quer ir pra show e ter que pensar sobre uma coisa triste? Por isso é mais difícil músicas com temáticas mais densas chegar em um nível mais alto de popularidade. Mas, a questão de popularidade ou não, é consequência. Enquanto a gente conseguir tocar o nosso som, levar nossos shows e fazer com que as pessoas reflitam e se sintam um pouco mudadas pelas reflexões que nossas músicas causam, enquanto isso acontecer é o que importa, sabe.
E eu acho que uma banda pra ser ouvida e reflexionada hoje, é muito mais difícil que antigamente, eu sinto que vivemos um tempo de muita informação concomitante, a oferta de música, e não só de música, mas de todo o entretenimento. Hoje as pessoas usam 5, 10 segundos para decidir se gostam de uma música ou não e já pulam pra próxima. Elas não estão mais se apegando tanto em mensagem, justamente por ter muita informação concorrendo. Não sei se você enxerga desta forma. E… buscar o sentido inverso, onde algumas bandas e pessoas querem encontrar um caminho mais profundo na música. Claro, sempre equacionando a tal da extroversão com mensagem.
Sim, sim, claro cara! Mais um assunto que a gente estava comentando aqui, é essa facilidade que o acesso à música tem. O lado bom é que está mais fácil para o artista expor seu trabalho, é mais fácil pra você ter o seu som ouvido. Mas, por outro lado, se torna muito mais difícil, justamente por este bombardeio de informação que os ouvintes têm. Toda esse negócio de serviços de streaming, muita música na internet, mp3, acaba tornando a música um produto que, apesar de forte, cada vez mais descartável. Eu tenho 23 anos, e a minha formação foi feita já nesse ritmo, mas eu fico imaginando que talvez na época do LP, na época que não tinha internet, a música era mais poética, o processo todo né. As pessoas tinham o trabalho todo de ir comprar o disco, colocar na vitrola, ou quando não tinha condições de comprar, ficar esperando tocar na rádio e botar a fita k7 pra gravar. O processo e a dificuldade de buscar o som que tu queria, fazia com que as pessoas tivessem um carinho maior com a música do que tem hoje. Eu vejo assim. Mas, enfim, a realidade que a gente tem hoje é outra e, justamente por isso que os músicos, as bandas e os compositores precisam ter mais cuidado de fazerem trabalhos que não serão descartados.
Quais são os planos da Versalle para 2016?
Estamos com o álbum saindo do forno, e estamos com uma turnê para divulgar o trabalho. Além disso, o clipe de Mente Cheia está prestes a ser lançado. No Lollapalooza, vamos fazer a primeira apresentação do show que a gente formulou para a turnê. Estamos animados, pois começamos o ano com os dois pés direitos, por ter sido escalado para estar no lineup do Lolla. Eu fico muito feliz com seus comentários, com suas observações e é isso aí, estamos aqui pra fazer o que estiver dentro das nossas possibilidades para ajudar reacender a chama do rock no Brasil.
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