Às vezes suspeitamos que uma banda seja boa ao vivo, outras achamos que quando é ótima em disco pode não ser boa ao vivo. Assisti a Dônica em um show de abertura do Jota Quest (ok, foram as circunstâncias!), e nunca havia escutado nenhuma música, quiçá da existência da banda. E ao assistir a banda entrou no palco vi que era um bando de garotos que achei que a turma do Flausino estava dando uma colher de chá para apoiar a cena. À primeira audição algo me chamou atenção, com a idade musical você acaba querendo que as coisas saiam mais ousadas na música (já comentei isto algumas vezes, aqui), mesmo que não sejam boas. E a não artificialidade e não superficialidade da banda foi algo impressionante. Relatei para amigos que não estava acreditando no que estava ouvindo e, sendo de longe um não fã da banda principal da noite, não queria nem mais ouvi-la. Nesta noite deu para notar o quanto a música brasileira sofre com ouvintes que gostam sempre de escutar a mesma coisa, Dônica fazia um show totalmente ousado e psicodélico, consistente, enquanto o público dava importância para o que estava sendo tocado.
O que me chamou a atenção foi o quão ligada a banda, carioca, estava de Minas, esta de Milton, Brant e todo o Clube da esquina. O que era jovem na época dos anos 70 transportou-se para os anos 00 com a mesma vibração, porém com um pouco de groove, agora. A coesão instrumental da garotada era algo surpreendente.
Na semana passada (16/06) saiu Continuidade dos parques, nome de um conto do Cortázar (<3), álbum de estreia da banda, com as bençãos de Milton Nascimento amigo de Caetano Veloso, pai de Tom Veloso, membro da Dônica como compositor. Saber desta informação antes de conhecer a banda pode surtir um grande preconceito, pela banda ser incensada por grande nomes da nossa música. Não é o caso. O disco de estreia vem consolidar o que ao vivo já havia sido apresentado. Parece, realmente, que estamos escutando um disco dos anos 70, com todo o rock progressivo que permeava o Clube de Milton e cia, mas também, a ousadia (lá no fundo) de um tropicalismo. Esta viagem já começa na primeira canção do disco É oficial, com uma batida meio afro, mas logo depois entrando de cabeça em uma psicodelia total. Casa 180, 904 e Bicho Burro são uma abertura para, o que não tem como se deslocar da, influência do Clube da Esquina. Isto não é uma crítica, é um agradecimento pela falta de música tão próxima e do quão pode ser produtivo este fruto. Tudo isso para chegar a Pintor, canção que conta com a participação do padrinho Milton, e a paz mineira de escutar “porém na vida nunca é nunca e hoje é paz”. A ótima e divertida Macaco no caiaque dá o tom 2015 da banda: jovial e dançante. Carrossel, de melodia e guitarra crescentes, letra com nostalgia de uma garotada que tem a vida à flor da pele. Praga, com uma “entrada” Supertramp, é para fazer toda uma geração de novos músicos entenderem como se faz para aproveitar influências e transformar. O disco termina com a bela Assuntos bons, samba-canção com vocais em uníssonos, música para trançar todo o ótimo trabalho. Banda de futuro, esqueçam os apadrinhamentos e a filiação, banda de futuro (e presente, claro). Talvez, a mais grata surpresa da música brasileira neste ano.
NOTA: 4/5
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