As nuvens carregadas dos céus curitibanos ornavam com as camisetas pretas dos fãs de rock que se aglomeravam na Pedreira Paulo Leminski, no fim de tarde desta última sexta feira (02), para assistir Queens of the Stone Age e Foo Fighters, duas bandas que ainda funcionam como a quintessência do Rock de Arena. Ambas dividindo turnê é algo raro mesmo nos EUA, além de um ocasional encontro de festival, já que as duas carregam relevância de Headliners. Então quão improvável seria que isto acontecesse na América do Sul?
Mas aconteceu. E aconteceu em Curitiba, cidade onde nenhuma das duas bandas havia tocado anteriormente.
A noite ainda contou com abertura do Ego Kill Talent, que tocava ALTO pra caramba suas composições musculares e bem produzidas. A chuva começava a cair e dava sinais que viria em forma de tempestade quando o vocalista da banda paulista profetizou: “Curitiba essa cidade louca que faz as 4 estações do ano em um só dia”.
Dito e feito, tão logo a Ego Kill Talent terminasse seu set, a chuva cessou e as estações seguiram a noite, rodeada por estrelas e pela lua.
O mundo de Josh Homme
Cercados por totens de led que conferia um palco futurista, da escola Trent Reznor, o Queens of the Stone Age subiu ao palco por volta de 19h30 para apresentar o seu novo disco Villains. Um álbum que confere uma atmosfera rebelde voltada às qualidades dançantes da banda. Exibidas na apresentação com tímidos passinhos de seu vocalista lá na quarta e quinta música do set: “Feet Don’t Fail Me” e “The Way You Used to Do”. Esta última é a melhor canção do álbum, cheia de groove, que dentro da ação ao vivo ficou deliciosa.
Até este ponto, Homme fazia interações que não se conectavam com a audiência. Começou perguntando se era sábado e o público não entendeu. Em outro momento disse que era aniversário dele, estava fazendo 12 anos e que o guitarrista tinha deixado a banda na turnê passada. Interações do mundo interno do frontman. O show demorou pra engrenar. Para tanto, o próprio Homme precisou se mostrar mais, ser mais assertivo e impetuoso. É a cultura de shows sul-americana que ele já conhece de outros carnavais (turnêvais).
Sendo assim, o Queens começou a virar este jogo difícil que estava pronto para esfriar. Pense que das 20 mil pessoas na Pedreira, talvez umas 3 mil estejam habilitadas e dispostas como fãs de Queens of the Stone Age. Foi preciso controlar mais o jogo e ter a posse de bola, parou de aceitar o jogo passivo.
Logo veio uma boa puxada de contra-ataque sentimental: “Nós viemos de muito longe para entregar um momento prazeroso pra vocês, então vamos beber”. O público reagia. Em outra oportunidade em uma jogada mais aguda, ele exigiu “Batam palmas seus cuzões”. Musicalmente, a banda se apresentava com seus melhores jogadores. Neste momento a escalação contaria com: “If I Had a Tail”, um marco do melhor álbum tardio do Queens of the Stone Age, “…Like Clockwork” (2013), “Sick, Sick, Sick” e “Make It Wit Chu” do ótimo Era Vulgaris (2007) e o hit supremo da fase jurássica, “The Lost Art of Keeping a Secret”, do Rated R (2000).
Foi sagaz ao provocar o bairrismo do curitibano e a natural vocação roqueira que a cidade tem. “Falaram pra mim que o Rio seria foda, mas vá para Curitiba que será louco, cara!”. Fez o público entender a afirmação de que a sexta seria sábado. “Todo dia é sábado para mim”.
Os desafios para o futuro do QOTSA
Neste momento o show vencia e convencia com folga. Em sua mais longa declaração fez uma espécie de Mea Culpa sobre o ocorrido em dezembro do ano passado nos EUA, quando chutou o rosto de uma fotógrafa em apresentação da banda em Los Angeles. “Faça o que vocês quiserem, ninguém tem o direito de dizer o que vocês devem fazer. DESDE QUE NÃO MACHUQUE OUTRA PESSOA”.
Homme ainda vai carregar essa mancha na carreira por muito tempo. E o peso disso, com justiça, ainda faz sombra sobre ele. É aquele velho filme, já exibido por tantas e tantas vezes. Quando “ficar louco” deixa de ser sobre bons momentos e começa a se tornar papelão. O grandão que exibe uma barriguinha e papada compatível com sua meia idade tem inteligência suficiente para saber em qual lado deve ficar.
O fim do show seguiu em alta combustão com seu líder empunhando um cigarrinho em versão estendida de “No One Knows”, onde Josh se declarou para Dave Grohl, como melhores amigos e o Foo Fighters como a melhor banda do mundo.
Tudo bonito demais, mas aqui vale ressaltar o garrancho de oportunidades perdidas. Os caras viajam o mundo em uma turnê em conjunto que dificilmente irá acontecer novamente por complicações intrínsecas ao showbizz e não aproveitam o momento para colocar a bunda do Dave Grohl atrás da bateria em “No One Knows”. Grohl não só gravou o Songs For The Deaf (2002) inteiro, como também algumas de “…Like Clockwork”. Um tanto pelo videoclipe, é no principal hit do Queens of the Stone Age, que a lembrança da longa parceria entre ambos se encontra. “Go With de Flow” e “Song for the Dead” ainda encerraria um ótimo show, de um seminal disco. A rebeldia obscura e o complexo de peter pan, ainda vence e convence.
Foo Fighters é sobre carisma
“Se vocês gostam de rock, será uma noite longa”. E foi. No já tradicional modelo do Foo Fighters de tocar por mais de duas horas, a banda teve corda e repertório pra segurar o público do início ao fim.
Abriu com “Run”, a faixa mais Foo Fighters, do novo álbum Concrete and Gold (2017). Na sequência despejou um caminhão de hits, acompanhado dos gritos características de seu vocalista e o paredão de três guitarras, tendo de um lado, o lendário Pat Smear, ex-membro de turnê do Nirvana e membro fundador do the Germs. E, do outro lado, Chris Shiflett.
A primeira vez que o show respirou foi em “The Sky is a Neighborhood”. A música do último disco é mais sobre densidade e ambiência e menos sobre energia. O que é bem-vindo para aumentar o espectro sonoro da banda em um longo show, mas que no disco não encaixou tão bem. Uma das críticas mais válidas ao som do Foo Fighters é o fato deles se repetirem demais, não saírem muito da zona de conforto. Goste ou não do álbum, o ponto é que eles escreveram um disco obscuro e denso, feito inédito para a banda até então.
A música que vem na sequência é mais das experimentações que o Foo Fighters fez em Concrete and Gold. “Sunday Rain” é uma balada, com levada de blues. Quem faz o vocal é o baterista Taylor Hawkins. Neste momento o palco revela uma superfície elevatória que coloca Hawkins e sua bateria há uns 10 metros acima do palco, para aflição de alguns acrófobos que assistiam à cena, incluindo este que vos escreve.
Na sequência o show mantém o aspecto de mais sentimento e menos extroversão, com uma versão quieta e solo de Grohl para “My Hero”. Acertou em cheio aqui para emendar com “These Days”, um marco do melhor álbum tardio do Foo Fighters, Wasting Light (2011).
O show seguiu para a já tradicional apresentação da banda, onde cada membro toca um cover. Dave parece testar o fôlego deste formato ao perguntar para o público quem já tinha visto um show do Foo Fighters antes. Sempre bem-humorado, de vocabulário rico em “fuck you”, “motherfuckers” “shit” e por aí vai. Fuck you, Dave. De um carisma absurdo, ele dá espaço e importância para os seus companheiros. O destaque aqui foi a melodia de Imagine ao teclado, mas com letra de Jump, do Van Halen.
A intro da banda acabaria em “Love of My Life”, para Dave Grohl assumir as baquetas e dar o microfone para Taylor Hawkins. Veio “Under Pressure”, do Queen. Neste momento, foi inevitável não se emocionar e lembrar do Nirvana. O loirinho cabeludo no vocal, Grohl na bateria e Pat Smear na guitarra é imagem o suficiente para pintar esta fotografia. Mesmo que o loirinho do Foo Fighters tenha um aspecto de garoto vida boa da Califórnia, já o loirinho do Nirvana tinha um aspecto de mendigo insolente.
O espetáculo seguiu com Dave dedicando “Times Like These” ao Josh Homme. Não poderia ser mais apropriada em termos de letra, e de acordo com o momento que vive o velho amigo. “Big Me” ao violão foi outro momento para os fãs mais antigos da banda. “Best of You” foi aquele momento de catarse, onde a banda aproveitou a deixa para sair do palco. Outra figurinha repetida de outras turnês é o vídeo onde Grohl e Taylor conversam por gestos com a plateia sobre quantas músicas eles devem tocar no BIS. E os caras voltam com “Dirty Water”, uma das maiores ousadias em relação ao Foo Fighters que todos conhecemos. Acompanhado por um trio de vozes femininas e uma atmosfera gospel, é o tipo de coisa que pode ficar estranho no disco, mas ao vivo, junto das melhores músicas da carreira dos caras, até que funciona.
“Everlong” fecharia um show de vigor, energia, carisma e sentimento únicos. O Foo Fighters é a maior banda ao vivo de rock no mundo e parece ainda estar em crescente ao mostrar novos temperos de sabores menos explosivos. Vida ao longa ao boa praça.
Crédito das fotos: Marcos Mancinni
QUEENS OF THE STONE AGE turnê Villains
Onde: Pedreira Paulo Leminski, Curitiba.
Data: sexta, 02.03.2018.
Hora: 19h30 com apx. 01h30 de show.
Nota: ★★★★
FOO FIGHTERS turnê Concrete and Gold
Onde: Pedreira Paulo Leminski, Curitiba.
Data: sexta, 02.03.2018.
Hora: 21h30 com apx. 02h30 de show.
Nota: ★★★★★
Legenda da nota:
★★★★★ – Imperdível. Não faz sentido viver sem ter visto ao menos uma vez na vida
★★★★ – Ótimo. Muito acima da expectativa. Apenas vá.
★★★ – O Show padrão.
★★ – Fraco, ficou devendo. Não vale o ingresso.
★ – Péssimo, melhor tomar um tiro do que ver este show. Não vá nem na bala.
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