Por Flavio Testa e Isadora Tonini
O 505 Indie diminuiu o ritmo de postagens, mas um post que segue firmão é a lista de melhores do ano, como síntese e mapeamento do que melhor vem acontecendo com a música no presente. Já estamos completando quase uma década deste exercício. A primeira lista que fizemos, no primeiro ano de blogue, aconteceu ao final de 2011. Na época, era uma lista híbrida com predominância de artistas internacionais.
Em 2014, criamos uma lista exclusivamente nacional e outra internacional.
A partir de 2017, resolvemos abandonar a lista internacional e passamos a focar em uma só lista, com os olhos voltados para o mercado interno por dois motivos principais.
O primeiro motivo é que os artistas de alcance mundial já estão bem cobertos e escrutinados nas infinitas listas de veículos do mundo todo. Temos consciência que a maior parte dos nossos leitores acompanham também as fontes gringas. Entendemos que agregamos muito pouco neste sentido. (Mas se não ouviu, ouça o novo do Bon Iver, primeiro lugar fácil, seguido de Weyes Blood).
O segundo motivo é para grifar esta revolução que tem acontecido na música – essencialmente, mas não exclusivamente – independente do Brasil. A indústria fonográfica brasileira sempre foi dependente das grandes gravadoras para sobreviver. No entanto, acentuou-se nos últimos 15 ou 20 anos a falta destas empresas em nichos de artistas que ousam atacar vertentes menos consolidadas da música popular. O mercado da música ficou mais apertado em capital e menos propenso à arriscar ou a investir sem a perspectiva do curto prazo, com a vinda do digital. Dentro do ponto de vista financeiro tornou-se preferível trabalhar com os 20% que correspondem a fatia de 80%.* – *Princípio de Pareto explica.
Porém, ainda existem os outros 20%, onde a música independente sem os meios e os recursos, aos poucos, cavucou seu espaço e fideliza seu público. Este é um trabalho diário, de rede, contatos, criatividade, editais públicos e privados. A circulação através de festivais e shows aumentou, pois estes aumentaram. Produtores, estúdios, profissionais de técnica (vídeo, som e luz), veículos de imprensa especializados, selos musicais, assessorias, entre outros profissionais que compõem a cadeia de produção e distribuição musical puderam se encontrar, fortalecer laços, multiplicar oportunidades e criar uma cadeia de valor que entregue arte e entretenimento de qualidade para o público. O mercado independente não é mais tão mambembe e baseado em meia dúzia de sonhadores. Ainda que exista boa dose de aventureiros. No entanto, a parcela que sobrevive e se multiplica é composta por profissionais que se entendem e entendem o quanto é preciso capacitar e formar um modelo de negócio que funcione. É preciso sobreviver no longo prazo. O colaboracionismo parece ser a resposta encontrada e os frutos estão sendo colhidos, enquanto a rede é expandida. Basta olhar para esta lista. A quantidade de participações e colaborações entre artistas é sem precedentes. Já é marca desta época.
Posso dizer com tranquilidade, sem cair no ridículo de um otimismo exagerado: é a lista com mais artistas em condições de fazer o primeiro lugar no fim do ano. Nos outros anos, lembro de ter vislumbrado dois ou três que brigariam pelo primeiro lugar.
Em 2019, só nesta primeira parcial colhida com álbuns lançados até o começo de agosto, é possível concluir que existe, pelo menos, oito candidatos reais ao título.
A lista de meio do ano vem em ordem alfabética, sem ranqueamento definitivo. Já a lista completa será faturada em dezembro de 2019, totalizando 50 discos.
O segundo semestre ainda promete! Que década.
Adriana Calcanhotto – Margem
Em Margem (2019), Adriana Calcanhotto encerra a sua “trilogia do mar”, iniciada há 21 anos com o álbum Marítimo (98) e seguido por Maré (2008). O novo álbum surge com 7 composições próprias e dois coveres “Os Ilhéus” de Zé Miguel Wisnik, lançada originalmente em 2011, no álbum Indivisível e “Príncipe das Marés”, de Péricles Cavalcanti, lançada em 2013, no álbum Frevox.
A capa do disco traz a artista rodeada por lixo, fazendo uma reflexão imediata com a questão ambiental urgente e presente. Aliás, esta dualidade vive nas letras, através de poesia, o metafísico com a narração e a realidade, capaz de provocar no ouvinte sensações que transitam entre a tensão e o bem-estar. Musicalmente, o disco é surpreendentemente diverso também. A faixa que representa Adriana em sua melhor forma encontra-se em “Dessa Vez”, com traços daquela MPB mais “braba”, mais densa, da escola de Elis Regina e da própria Adriana Calcanhotto. Porém é nas duas últimas faixas que o disco ganha, por trazer vertentes mais contemporâneas e menos clássicas, a eterna fuga da zona de conforto dos grandes artistas. A gaúcha transita em referências de música eletrônica, rap e funk carioca. A mistura e a força dos ritmos em faixas pulsantes como “Lá Lá Lá” e “Margem” completam o que de mais pujante há nesta obra deliciosa.
BaianaSystem – O Futuro Não Demora
Próspero e auspicioso, “O Futuro Não Demora” projeta o infinito entre rastros e ruínas de um cenário sociopolítico caótico. Firme, o disco desdobra anversos esperançosos, significando a união por meio de conexões estratégicas entre faixas deliciosamente singulares. Ousado, o produtor Daniel Ganjaman resguarda a essência BaianaSystem, preservando arranjos e combinações cativantes que seduzem o ouvinte de maneira rítmica e positivamente energética.
Bazar Pamplona – Banda Vende Tudo
Bazar Pamplona retorna depois de um hiato de quase 7 anos. através do álbum Banda Vende Tudo. A banda de indie rock paulistana não poderia ser mais feliz neste novo disco. Faixas explosivas como “Bom Mesmo é Ouvir um Riff dos Stones” e “Capítulo Primeiro” traz influências que passam pelas clássicas bandas britânicas e brasileiras de rock do fim dos anos 60. Soma-se a riqueza e diversidade instrumental, dinâmicas e texturas super atuais, algo que se encontra paralelo na atualidade, com tamanha desenvoltura, em O Terno – também presente na lista.
Outro encontro bem sucedido é dos tons mansos do folk americano, com a MPB brasileira em faixas como “Nós Dois” e “Prumar”. A primeira metade destaca-se a construção cuidadosa em torno de refrões grandiosos e coro. O início da segunda metade muda este tom com uma característica desleixada de um rock mais clássico e direto. Já o fim do álbum, especificamente suas duas últimas faixas, traz o clima de baladas densas, novamente apostando em texturas marcantes que traz de uma maneira singela a lembrança de Radiohead. Destaque também para a letra de “Banda Vende Tudo“, sonhadora e reflexiva sobre os percalços que enfrentamos para tentar realizar nossos sonhos, o peso da realidade e a beleza do caminho percorrido, independente do resultado alcançado. O disco termina com a sensação que a banda veio com a caixa de ferramentas cheia e conseguiu vender tudo que queria.
Black Alien – Abaixo de Zero: Hello Hell
Recebido calorosamente pelos fãs, Abaixo de Zero: Hello Hell interrompe o hiato de Black Alien embaralhando gêneros e proclamando conhecimentos práticos sem censura. Musicalmente complexo, “Hello Hell” conta com a participação do beatmaker Papatinho, que alterna entre produções dançantes, apaixonadas e reflexivas. Disparadamente versátil, o disco denota críticas políticas, sociais e existencialistas. Em “Hello Hell”, Black Alien inova na busca pelas próprias origens, oferecendo ao ouvinte uma experiência díspar e multifacetada.
Boogarins – Sombrou Dúvida
Genuinamente autêntico, Sombrou Dúvida dança entre vieses psicodélicos e planos progressivos imprevisíveis. Marca registrada do quarteto goiano, a desconstrução interconectada por produções anteriores significa metáforas existencialistas questionadoras, colorindo princípios filosóficos frequentemente abordados pela Geração Z. Temperado pelo noise eletrônico característico de Boogarins, “Sombrou Dúvida” oferece experiências singulares ilimitadas, conduzindo ouvintes cercados por possibilidades maravilhosamente incertas.
Clarice Falcão – Tem Conserto
Clarice Falcão mergulha na vida adulta em sua nova obra, de libertação feminina. Com letras assertivas e sonoridade densa, explorando camadas e timbragem, de tônica majoritariamente eletrônica. A densidade também dá espaço para a música respirar e entrar em momentos mais leves, com batidas imponentes e de rasgo meio new romantic, cafonérrimo se usado com exagero, de forma displicente ou o colorido que corrige a carranca e confere equilíbrio e personalidade. O melhor álbum, de longe, da artista paulistana.
Dona Onete – Rebujo
Em Rebujo, encontramos as raízes fortes paraenses de Dona Onete. O disco não esmorece nem por um minuto em uma aula de ritmos e folclore popular, nesta pororoca de culturas e etnias que fervem em Belém. A diva do carimbó traz novos temperos paraenses para o tacacá como o banguê e maculelê. Outro ritmo presente é a cumbia que chegou ao Pará nos anos 50 e que pelas mãos de Dona Onete e segundo a própria se tornou cumbia cabocla.
Rebujo é a essência do Brasil popular, luz diante das trevas de um país afundado em racismo, preconceito e elitismo patriarcal. Por oferecer este contrapeso de resgate de identidade, voz aos esquecidos e origem, o álbum da brilhante Dona Onete é um dos mais necessários para qualquer um que queira se reconectar ao Brasil verdadeiro, em toda sua essência e pluralidade cultural. Lembrando que “na festa do tubarão traíra não entra”.
Douglas Germano – Escumalha
Audaciosamente genioso, Escumalha tinge de samba o retrato falado de um Brasil invisível. Copiosamente lírico, o terceiro disco do compositor paulistano Douglas Germano surpreende com aguçados arranjos instrumentais. Hora brutas, hora dançantes, composições singulares seduzem o ouvinte quase sem querer. Autêntico, Germano conscientiza com crueza e sinceridade, dando voz a um Brasil raramente abordado pelo cenário musical nacional.
Djonga – Ladrão
Ternamente agressivo, Ladrão ocupa impecavelmente o papel de transmissor, tomando-o para si gráfica, lírica e musicalmente. Áspero e cruamente autêntico, Djonga retoma e difunde “o que lhe foi roubado” (vide texto de apresentação do disco), reunindo memórias e ressignificando-as de modo a reivindicar direitos, voz e origens. Emotivo e explicitamente crítico, “Ladrão” compacta as multifaces de Djonga, abrindo novas alas ao rapper mineiro.
El Toro Fuerte – Nossos Amigos e os Lugares Que Visitamos
Segundo álbum de estúdio produzido pelo quarteto mineiro El Toro Fuerte, Nossos Amigos e os Lugares Que Visitamos preserva a essência inocentemente introspectiva introduzida por Um Tempo Lindo Para Estar Vivo, lançado em 2016. Direto e imaginativo, o disco conta com faixas subjetivamente reflexivas e arranjos sutilmente elaborados. Meigamente terno, “Nossos Amigos e os Lugares Que Visitamos” narra histórias atemporais, gerando e desenrolando pontes entre passado, presente e futuro.
Fresno – Sua alegria foi cancelada
Em A Sua Alegria Foi Cancelada. a Fresno encontra-se com um dos melhores álbuns de sua carreira, trazendo o frescor e a energia do início de carreira, com a maturidade e a vontade de experimentar. O novo disco ao mesmo tempo que oferece alternativas pouco comuns à Fresno, como a forte aderência aos sintetizadores. Porém, sem abandonar a marca registrada de guitarras vigorosas em meio a linhas melódicas marcantes. Se a sonoridade foi atualizada e ganhou novas cores, o mesmo vale para os temas. A banda aborda narrativas contemporâneos ao Brasil de 2019. As participações de Jade Baraldo e Tuyo só agregam ao belo resultado final.
Giovani Cidreira – Mix$take
Melódico e subjetivo, Mix$take demonstra a versatilidade de Giovani Cidreira, explorando-a energeticamente de modo sutil e amplamente singular. Em processo experimental, o músico investe em melodias constituídas por arranjos e sintetizadores oitentistas – clímax que direciona o viés estético da produção. Assinado por Benke Ferraz (Boogarins), “Mix$take” conduz o ouvinte por meio de deliciosas e particulares sonoridades, investigando introspectivamente o cenário artístico musical.
Jair Naves – Rente
Fiel ao embalo melancólico de produções anteriores, Rente é guiado pelo viés filosófico pós-socrático – cético de ponta a ponta. Composto entre mares agitados e um cenário político nada animador, o disco é declamado entre arranjos de violão e lágrimas de violoncelo. Antigo “Ludovic”, Jair Naves resgata incômodos sentimentos de angústia, aborrecimento e pesar, oferecendo ao ouvinte a chance de desbravar camadas afetivas densas de modo puro e inconsciente.
Jards Macalé – Besta Fera
Vinte anos após uma ruidosa pausa, Jards Macalé funde passado e presente em Besta Fera, produzido por Thomas Harres e Kiko Dinucci. Despretensiosamente desordenado, o disco confunde períodos temporais enquanto incorpora essência à jovialidade energética do compositor carioca. Marcante, “Besta Fera” provoca a memória do ouvinte com faixas nostálgicas imortalmente reconhecíveis, atestando (novamente) a genialidade de Macalé.
Juliana Perdigão – Folhuda
Folhuda é o terceiro disco solo da cantora, compositora e instrumentista Juliana Perdigão. O álbum, produzido por Juliana e Thiago França, traz 12 faixas, todas de autoria de Juliana. São poemas musicados de alguns notáveis do século passado, como Oswald de Andrade, Paulo Leminski, Murilo Mendes, ou parcerias com poetas vivos como Bruna Beber, Renato Negrão, Fabrício Corsaletti e sua companheira Angélica Freitas. Juliana Perdigão traz um recado visceral, porém muito bem arquitetado, construindo ironia como forma de crítica ao patriarcado brasileiro. A artista traz as minorias e o feminismo como bandeira de seu álbum, além de calculada crítica política, por isso o disco se faz tão necessário em seus versos. A forma que Juliana arranja essa poesia, capaz de amplificar a mensagem é um dos grandes destaques deste álbum. Embebido em profundidade artística, seja nos versos, na faceta multi-instrumental da artista ou no rico baú de colaborações, porém é na capacidade de síntese em canções genuinamente populares como “Felino” e “Mulher Limpa” que o álbum se torna um dos mais especiais do ano. Folhuda ainda tem fôlego para a versatilidade e entra em momentos mais introspectivos em sua segunda metade. A variedade não fica por conta apenas dos temas, Juliana consegue transitar entre a MPB mais próxima da bossa-nova, com a mesma desenvoltura que entra em nova MPB mais rítmica e universitária (no bom sentido). Parte da verve da nova vanguarda que faz bloco de carnaval, rock de inverno, MPB de outono e bossa eletrificada na primavera.
Jorge Mautner – Não Há Abismo Em Que o Brasil Caiba
Treze anos após o lançamento de seu último disco, Jorge Mautner desperta propositalmente em conjunto a um cenário político sombrio e nada animador. Não Há Abismo Em Que o Brasil Caiba traz essências sociopolíticas sem pudor: dá nome aos bois, proclamando guerra corajosamente. Produzido em conjunto à banda Tono, o disco não abre mãos da esperança ensolarada do samba, cultivando abertamente a beleza conturbada que, sempre presente, guia a trajetória nacional.
Karina Buhr – Desmanche
Desmanche é o quarto álbum de estúdio de Karina Buhr, que desde o segundo álbum vem mantendo uma cadência quadrianual. O novo registro oferece uma coleção de novas canções que exercitam diversos humores. Logo na primeira faixa, nos deparamos com uma seção rítmica tribal, que confere força e aceleração, ainda com refrões encorpados pelo coro e trazem excitação e ação. “Amora” é a música que vem na sequência, traz uma sensação de introspecção, bem-estar e torpor (aliás uma das melhores músicas do disco e do ano). A sequência é um jogo de toda essa versatilidade e inquietude artística da artista. De alma expansiva, Karina Buhr segue selvática expandindo a intensidade de seus registros. “Temperos Destruidores” e “Chão de Estrelas” são outros rompantes por razões completamente opostas. Ela joga com o ritmo em um momento e a primazia da melodia em outro. Sempre em alto nível.
Larissa Luz – Trovão
O disco mais ousado e caótico deste ano em terra brasilis. Nada chega próximo. Os temas são de empoderamento de matizes africanas e o feminino. Funcionam como um trovão, onde percebe-se a verdade e o expurgo vindo direto dos pulmões da artista. Musicalmente o rap e os elementos do trap são os grandes trunfos que conferem contemporaneidade artística. Presença certa na lista de melhores do ano ao fim do ano e possível candidato ao título.
Liniker e os Caramelows – Goela Abaixo
Liniker é o maior arroubo de representatividade e artisticidade que vimos surgir no Brasil com sua big band há cerca de 4 anos. Agora, em seu segundo álbum, a artista brasileira vem ganhar cancha em sua prolífica exploração artística. Salta aos olhos como Liniker é uma figura que transcede a música, o seu olhar e sua essência atinge e reflete aspectos culturais tonais desta década que vão desde a opinião até a moda. A música se retroalimenta desta verve, afinal música é também personalidade ganha uma nova coleção de faixas que destacam a voz marcante do artista e sua poesia cheia de grifos. A diversidade instrumental e a forma como isto é arranjado na personalidade de Liniker não é só questão de bom gosto. É definidor de gostos. Do naipe de metais, ao piado e passando pela seção rítmica, o novo álbum agrega acentuações caribenhas, soul, anglicismos e de música brasileira com uma elegância incomum. Pois, é mais comum que anglicismo e português acabe em cafonice. Vide todo o jargão empresarial. Mas, longe daqui, vá de retro! A mistura é enriquecedora na obra de Liniker. A sensualidade das letras, principalmente na segunda metade do álbum casam de maneira deliciosa com o piano e toda a luz indireta instrumental. Os vários humores deste disco, entre a excitação da rua e a excitação entre quadro paredes. Tudo é música na beleza e ternura desta artista.
Marcelo Jeneci – Guaia
Após um hiato de seis anos, Marcelo Jeneci retorna com a díficil missão de pelo menos igualar o fantástico álbum De Graça, lançado em 2013. Em 2019, surge Guaia. Outra vibe. Menos pop e menos sanfona, ainda que tenha pop e sanfona, marcas registradas do paulistano.
O novo registro começa com o canto indígena de Ikashawhu da tribo Yawanawa, seguido por uma progressão harmônica que deságua em um sintetizador modular que liquifaz a canção enquanto o Jeneci avoluma “é emergencial, é emergencial a gente se conectar com a terra”. A primeira faixa é uma síntese do clima que irá guiar o disco, musicalmente dentro de um campo eletrônico mais experimental e orgânico. Esta “liquefação” imagética lembra o que o Radiohead fez no último álbum, especificamente em “Daydreaming”. “Emergencial” foi gravada em 432 hz, que segundo Jeneci “gera uma ressonância mais aberta dos harmônicos de maneira mais alinhada com o som produzido pelo próprio movimento do espaço e dos planeta”.
O disco toma um contorno mais imediato e menos paisagístico em “Oxente” de arrasta-pé nordestino. A composição é uma parceria de Jeneci com Chico César – Jeneci foi membro da banda de César no idos 2000 – e já foi gravada na voz de Elba Ramalho, onde o músico paulistano toca como convidado.
O álbum verte para um pop mais direto em “Vem Vem” com a participação da jovem cantora Maya.
Outra característica bem explorada no álbum aparece em “Aí Sim”. Onde fica óbvia toda engenharia provocada nessa produção compartilhada entre Marcelo, Pedro Bernardes e Lux Ferreira. É uma canção singela com uma crescente positivista, facilmente digerível, mas de uma instrumentação bastante diversificada e complexa. Esse poder de síntese, esses cortes pelas beiradas é o grande arremate do novo álbum de Marcelo Jeneci, cara que é um dos grandes músicos brasileiros que surgiu nesta década. A grandiose do álbum é atingida em “Redenção“, que une canto gregoriano, bateria de frevo e guitarra western.
O álbum ainda tem tempo para uma balada profundamente emocional em “Saudade do Meu Pai”. E “Ritos” que o artista define como mantra-pop. É uma levada melódica com um relógio de fundo, marcando o tempo, vertendo à hipnose. A volta ao mundo dos sonhos, a essência de conforto sonoro de onde Guaia se guiou.
A missão citada na primeira linha foi cumprida. Por outros méritos, mas igualmente apetitoso.
MC Tha – Rito de Passá
Forças femininas e de representatividade tem sido marca dos últimos anos dentro da música. Forças que carregam uma voz, inventividade e assertividade capaz de tranformar a cultura e moldar comportamentos. Em Rito De Passá, MC Tha estreia em long play exatamente com estes ingredientes. É uma furacão pop, capaz de multiplicar gêneros, fazer música popular, através do poder de síntese e de mix (entenda como quiser). Disco pop, disco popular, quando vem carregado de inventividade é pra ganhar o ano o ouvido e as atenções. Destaque para “Onda” com Jaloo e Felipe Cordeiro. Porém o disco inteiro é quente e hitado. “Rito de Passá”, “Clima Quente e “Avisa Lá” apoiadão no trap e nos graves são outros destaques.
Nômade Orquestra – Vox Populi, Vol. 1
A Nômade Orquestra é aquela big band que despontou no fim de 2014, com o arrasta quarteirão que foi seu disco de estreia em uma infusão de jazz, o hip-hop, o rock, o funk, dub, afrobeat entre outras de um caldeirão tão preciso e cirúrgico, quanto sentimental e cheio de alma. Mais uma das bandas brasileiras desta década que conseguiram alguma projeção no exterior e representação na Far Out Recordings. Em 2017, veio outro grande álbum, aprofundando a world music e inserção de outras culturas. Mas é agora, em 2019, que a banda resolve intensificar seu jogo. Vox Populi, Vol 1 traz 4 das vozes mais representativas da música brasileira atualmente. Quatro vozes de versos ferozes, que representam todo rompante de mais uma grande onda de produção nacional. A independência, os encontros, a busca por seu próprio mercado e uma teia mais substancial de arte brasileira começa a colher frutos. Agregar a língua portuguesa ao que já era notório dentro da linguagem musical, cria um disco próximo da perfeição. Trabalhar com artistas diferentes, traz a variedade que casa com a versatilidade instrumental, melódica, rítmica, enfim. Russo Passapusso e Edgar são mais caóticos, velozes e verborrágicos, o acolchoamento musical não deixa por menos e exacerbam estas potencialidades. Juçara e Siba já são das dinâmicas e da luz indireta, melodia e ritmo trocando protagonismos ao longo de suas faixas. Viciante, do começo ao fim.
O Terno – <atrás/além>
O Terno hoje está milhas e milhas distante de qualquer outra coisa que é feita no indie/pop rock nacional. É uma banda que joga em outra liga e a cada disco consegue se superar em profundidade artística, energia, popness, samba, mpb, é rockn roll é baião, pop erudito e o que mais você quiser contar aí pra valorar uma obra. E ainda tem Devendra Banhart. Precisa do que mais?
Pitty – Matriz
Pitty é uma das artistas mais importantes do rock nacional neste século. É uma das raras neste inclemente mercado fonográfico brasileiro que consegue unir popularidade com conteúdo artístico. Em Matriz, a baiana não se furta e não decepciona em manter esta equação em elevado nível. O novo álbum oferece fúria e resistência tão necessárias nos tempos presentes. Faixas como “Noite Inteira “ serão lembradas em qualquer playlist do futuro que queira contar os sombrios tempos atuais do Brasil. Assim que funciona com grandes artistas, marcam-se na história com temas que deixam de ser deles e passam a representar os anseios de uma população.
Rakta – Falha Comum
Mortalmente inofensivo, Falha Comum é uma viagem cósmica adoçada pela desordem atmosférica. Ambíguo e pouco palpável, o disco transita entre gêneros e ambientações simbólicas que beiram o limbo. Liricamente belos, cenários projetados por melodias bruxólicas e composições essencialmente experimentais conduzem e transformam a imaginação do ouvinte, provocando-a da primeira à última faixa.
Scalene – Respiro
Frescor, novos caminhos e exploração das nuances são as tônicas da Scalene em seu novo álbum, Respiro. Como o próprio nome do disco sugere, o Scalene deixa um pouco de lado as guitarras volumosas para trazer novas opções mais delicadas. Os arranjos furiosos e o pau comendo o tempo todo, abrem espaço para dinâmicas que vertem à calmaria e ao descanso da mente. É o tipo de escolha heterodoxa dentro da discografia que é capaz de gerar choro e ranger de dentes por parte dos fãs mais antigos, mas que também verte em conquista de simpáticos aos novos tempos. Não é a primeira e nem será a última banda a fazer essa guinada um pouco mais brusca. Aliás, são poucas as bandas que não deixam se atingir pelo tempo e mesmo com o envelhecimento, mantém a mesma fórmula de fazer música. Respiro é uma aventura bem-sucedida. Demonstra um desejo de seu vocalista que no ano passado fez um registro bem decente com os dois pés fincados no folk norte-americano. Desta vez, as raízes de calmaria e contemplação possuem cores bem mais brasileiras. Os elos entre passado e presente ficam por conta dos sintetizadores. O ciclo transacional da Scalene pode ser definido de maneira grosseira como 1. Guitarras velozes e furiosas – 2. Guitarras e Sintetizadores – 3. Sintetizadores e brasilidades, onde o descanso e o silêncio foi ganhando progressivo campo. Vale lembrar também as participações do quilate de Hamilton de Holanda, Ney Matogrosso e o furacão dos novos tempos, Xênia França. Destaque para “Vai Ver”, “Percevejo” e “Ciclo Senil“, faixa 7 do álbum que é o que traz um pouco da velha dinâmica da banda em um fim apoteótico.
Supervão – Faz Party
Supervão é uma banda que desde o lançamento de suas primeiras músicas nos chamou a atenção pela originalidade e personalidade própria que carrega. É difícil de relacioná-la em uma matriz de outra banda e perfeitamente capaz de definir uma sonoridade para outras bandas no futuro.
E isto por si só já é um baita feito. A maioria das bandas passa a vida tentando encontrar uma voz, tentando achar a tal da “uniqueness” que faz o seu som ser farejado e distinguido na multidão. A Supervão começou com este jogo ganho.
O trio gaúcho vem de uma gênese de música eletrônica de banda, totalmente consagrada nos anos 80, através da new wave e synth pop. Neste início de século é compatível com as cores de Neon Indian ou Cut Copy, vertendo seiva hipnagógica de um Homeshake, com forte pigmentação tropical de um Boogarins. Mas tudo isso ainda é muito simplório pra explicar o DNA musical da Supervão. Em Faz Party, a banda entrega o seu primeiro registro longo, em uma coleção de faixas prontas para uma pista muito mais sensorial do que sensual. Liricamente e esteticamente é linguagem natural para os Y, X ou Z – seja lá qual for a denomição para a geração que possui entre 18 e 28 anos atualmente. O eletrônico se funde com o orgânico em toda sua extensão instrumental e timbrística, de vozes e guitarras limpas ou sintetizadas, das entonações vocais, coros e efeitos para diferentes personagens. Ritmicamente, do repique tribal às programações eletrônicas. Do bedroom pop conectado com as mazelas do mundo através da tela do computador ao Centro de Ciências Esotéricas universitário. Tá tudo ali muito bem azeitado em letras que impregnam na mente, “Exposição degenerada / Abdução/ Eu acredito em disco voador”.
Terno Rei – Violeta
Positivamente recepcionado pela crítica, Violeta exprime um Terno Rei mais ousado, maduro e corajoso, mantendo a linearidade de composições e arranjos introduzidos por “Essa Noite Bateu Como um Sonho”, lançado pelo grupo em 2016. Banhando-se em fontes como o lo-fi e o dreampop, o disco investe em letras intimistas e emocionalmente significativas que seguem a ideologia existencialista de produções anteriores.
Thiago Pethit – Mal dos Trópicos (Queda e Ascenção de Orfeu da Consolação)
Conceitualmente intenso, Mal dos Trópicos sela e assina o retorno de Thiago Pethit, suprindo as expectativas desenvolvidas pela crítica ao longo dos últimos cinco anos. Legitimamente pós-moderno, o disco dá asas à imaginação do ouvinte urbano, que se vê entrelaçado por mitos greco-romanos há muito esquecidos. Singular, Thiago Pethit dá voz à cena indie nacional, unindo e desconstruindo ritmos, tempos e arranjos que vão do jazz ao trip-hop.
YMA – Par de Olhos
O indie pop brasileiro só cresce e chega ao patamar deste álbum da YMA. cada vez mais certeiro em sua preocupação com os timbres e melodia ao passo que o álbum oferece dinâmicas energéticas. A grande revelação do gênero ao lado de Terno Rei.
Adriana Calcanhotto, Bazar Pamplona, Clarice Falcão, Dona Onete, Fresno, Juliana Perdigão, Karina Buhr, Larissa Luz, Liniker e os Caramelows, Marcelo Jeneci, MC Tha, Nômade Orquestra, O Terno, Pitty, Scalene, Supervão, YMA e Introdução por Flavio Testa
BaianaSystem, Black Alien, Boogarins, Douglas Germano, Djonga, El Toro Fuerte, Giovani Cidreira, Jair Naves, Jards Macalé, Jorge Mautner, Rakta, Terno Rei, Thiago Pethit por Isadora Tonini.
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