O prolífico John Dwyer certa vez definiu os seus projetos como resultados de uma forte relação de comprometimento com as suas referências musicais pessoais ao longo da vida. Não é raro vê-lo sempre constatar a importância das ramificações mais complexas do rock na formação da sua carreira, e, ainda que ela tenha iniciado em vertentes semelhantes ao indie folk, é interessante perceber que nesse meio tempo (lê-se de 20 anos para cá) seu empenho com o (Thee) Oh Sees se consolidou como prova de que é sempre possível re-criar a própria música. Mesmo que isso “custe” uma palavra no nome da banda.
Não é, também, um exagero afirmar que o co-fundador da Castle Face Records (a digníssima que já lançou bandas como King Gizzard and the Lizard Wizard, Ty Segall e White Fence) usufrui de certo status que o coloca como uma das mentes mais brilhantes no cenário do rock atual. Dwyer raramente cai em marasmos tediosos na composição de seus álbuns e, para a felicidade de seus fãs, se mantém como um artista verdadeiro impulsionado pela intensidade violenta que persegue os desafios da ousadia de suas criações.
Em 2015 quando Thee Oh Sees lançou Multilator Defeated At Last, houve uma clara mudança na forma como seus álbuns eram produzidos, quase como se estivessem reelaborando a própria sonoridade em relação aos seus antecessores Drop e Floating Coffin. É um álbum que apresentou uma ambição de criar timbres com a ferocidade canalizada em exceder a própria complexidade musical, que desafiava de certa o forma o próprio hype daquele lo-fi cativante e exclusivamente cru manifestado em álbuns como The Master’s Bedroom Is Worth Spending A Night In e Help; e nos introduzia à uma brutalidade desproporcional que condizia e condiz de forma inegável com as suas frenéticas performances ao vivo.
Pareceu se tornar uma banda de certa forma mais complexa do que já era no ano de 2016 com o lançamento dos inigualáveis A Weird Exits e An Odd Entrances, e em suas peculiaridades, conseguiu agregar uma identidade ainda mais enigmática e de qualidade ao próprio som. Thee Oh Sees na sua melhor fase. É divertido perceber a oposição em que a banda se baseou para introduzir em uma espécie de catarse musical leve em relação a si mesma com os dois álbuns; deixou claro que além de assumirem riscos com as suas improvisações dissonantes, também se preocuparam em criar uma identidade que se sustenta nessa atitude agressivo-coesa.
Exploram tudo o que podem. Isso de certa forma influencia e amplifica a jornada do ouvinte para uma percepção excitante quando este se encontra imerso na sonoridade theeohseeana. É legal ouvir Thee Oh Sees e perceber que o rumo que a música tomou atualmente nos introduz à um certo reconhecimento da importância em observar e entender como o experimental e alternativo das décadas de 60 e 70 têm a sua grande influência no que é produzido hoje.
Não é fácil explicar um álbum em que o “mais do mesmo” é sinônimo de “mais do melhor”.
Mas “Orc” é o mais do mesmo. No melhor sentido.
No início do ano, Thee Oh Sees anunciou a retirada do “Thee” do nome da banda e divulgou que Orc seria o “primeiro” álbum dessa formação. Dessa vez, com um baterista a mais e dando continuidade ao que já se tinha nos dois últimos álbuns, era crível que Orc mantivesse o caminho da boa produção que têm acompanhado a evolução da qualidade de som da banda nos últimos 2 anos.
E manteve. Orc é tão bom quanto seus antecessores e soa grotescamente limpo e característico ao que se tem de comparação. “The Static God” abre o álbum em uma dissonância aguda e corrida numa espécie de adaptação para um cenário novo e mais multifacetado.
O grande problema de“Nite Expo” é ser curta demais enquanto o resto das musicas têm a sua duração média em 4, 5 minutos. Possui um uso singular de sintetizadores que desde Putrifiers ll e Moon Sick EP havia deixado de aparecer tão consoante com a velocidade e evolução da música.
A voz de Dwyer incorporou uma atuação ainda mais crua nesse álbum (como se quase engolir o microfone não fosse o suficiente), tenebrosa, por vezes suave e “imperfeitamente” única. Em “Animated Violence”, seus vocais soam como gritos de um viking assombroso disposto a dilacerar alguém no meio sem motivo algum. O que é uma pena e também um ganho, pois os vocais duram apenas 24 segundos, abrindo espaço para uma experiência magnética com linhas mais pesadas e viscerais de guitarra. Isso já foi explorado em uma linha mais psicodélica e introduzida como uma espécie de ambição exagerada e festança não controlada com “Gelatinous Cube” em A Weird Exists.
Em meio a gritos e ruídos, as inúmeras e convulsivas camadas de guitarra em convergência com a constante transformação de suas improvisações e a utilização futurista dos teclados e harmonia vocal da maravilhosa Brigid Dawson nos fazem lembrar uma das características mais marcantes sobre Thee Oh Sees: o deleite pela diversidade sonora desses detalhes ruidosos e a acessibilidade que isso promove.
“Jettisoned” possui uma sonoridade penetrante da guitarra em cima de uma bateria oscilante que quando inserida em uma sonoridade funk, lembra o krautrock de CAN, com maior destaque para a suavidade dos vocais e a sensação de ora plenitude, ora quero quebrar todos os móveis da sala. Oh Sees refazendo sua mágica.
Há algo sobre “Paranoise” que a distingue do resto das músicas. E isso talvez seja a peculiaridade mais interessante desse álbum, pois o trabalho de John Dwyer com o Damaged Bug também correu para essa vertente baseada no synth-rock com uma freqüência hipnotizante e até agonizante que combina as diferenças entre os ruídos, a melodia e o sintetizador e acaba por oferecer uma proposta mais incorporada ao som da banda de longa data de Dwyer, até mesmo por que Oh Sees e Damaged Bug são dois projetos diferentes. Como não admirar um pessoa que consegue se diversificar dentro de uma mesma ramificação entre duas bandas?
“Cooling Tower”, à primeira vista, aparenta ser uma música em que há uma possibilidade para que os arrancos mais violentos na bateria ou guitarra aconteçam a qualquer momento. Mas não acontecem e a partir da metade da música, fica cansativo escutar apenas os vocais repetitivos o tempo inteiro. Não é ruim, mas certamente não é complexo e nem desafiador, apenas sem graça. Talvez o único problema do álbum seja às vezes apresentar uma sonoridade ainda nova e desafiante, que se torna repetitiva em alguns momentos, e não conseguir exceder a algo que o ouvinte possa focar a sua admiração. É preciso ouvir várias vezes para poder compreender que a diferença está na elaboração dos detalhes mais complexos das canções.
“Drowned Beast” faz você agradecer pela existência desse álbum e principalmente por anteceder à “Raw Optics”, que o encerra com uma batalha que parece nunca conhecer o seu fim entre um baterista veterano (Dan Rincon) e um novo e promissor desafiante (Paul Quattrone) em uma briga intensa e, por incrível que pareça, aprazível a um nível mais equilibrado e coeso dessa vez.
Coesão essa que neste álbum se manifesta de forma ainda mais clara, ainda que essa clareza esteja inserida no campo caótico e mais acelerada em relação aos antigos. Uma sensação de que talvez finalmente (Thee) Oh Sees tenha encontrado uma forma de comunicar com mais transparência o seu atual caos peculiar por meio de um som experimental baseado numa composição muito mais excêntrica que alterna com uma relativa harmonia desordenada ao longo das faixas mais complexas.
Oh Sees parece não perder a essência do que os faz elaborar álbuns tão divergentes ao longo de toda a sua carreira até aqui. Como toda banda há muito tempo em atividade, já produziu álbuns horríveis, álbuns medianos e álbuns bons. Mas principalmente, álbuns que desafiam muitos ouvintes a participar de uma experiência que exige nada mais que um bom par de orelhas e um fraco pela expressividade hiperativa que mira no caótico e transtorna a percepção mundana.
Em 2017; OCS, The Oh Sees, Thee Oh Sees ou Oh Sees completa 20 anos de carreira, e, também já anunciaram o seu 20º álbum ainda para 2017 sob o nome de OCS com sua formação original intitulado Memory of a Cut Off Head para o dia 17 de Novembro via Castle Face. É esperar pra ver; voltar à vida mundana por algumas semanas para poder redescobrir mais uma vez a euforia viciante de uma banda que não consegue ficar parada.
E ainda bem que não!
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