Ele provavelmente estará descalço. Tão confortável como se estivesse em casa.
Banda? Provavelmente esperando seu momento de entrar depois que David Byrne apresentar a face teatral inicial que vai guiar seu espetáculo.
Sim, é um espetáculo. Completamente diferente dos espetáculos de teatro que se guiam por uma narrativa implícita e explícita, porque aqui ela é o que você quiser que seja. Mas uma coisa você precisa entender: o “TOC” de Byrne com os detalhes é real, e a palavra “TOC” é colocada em grau comparativo com sua incansável necessidade de fazer com que a motricidade humana seja um elemento tão importante quanto a guitarra.
Byrne é um homem visualmente estranho na esfera do pré-conceito. Não é de se esperar que homens mais velhos e com carreiras prolíficas invejáveis ainda tenham a preocupação em transformar o próprio show em um teatro ao ar livre, sem nenhum elemento que não seja a música e sua banda de atuantes ao oferecer uma experiência aconchegante e criativa com todos os detalhes de cor, instrumento e principalmente o movimento; Byrne quer que você saiba que ele está fazendo esse show para você.
Nesse quesito cada músico no palco tem seu spot, cada um tem a sua função e o resultado é um show milimetricamente calculado para ser uma experiência completamente visual sobre pessoas para pessoas. Afinal, se um show é o que você vê então por que não oferecer algo que também se comunique com o seu lado sinestésico?
Byrne não pensou isso ontem. Ao longo da sua carreira com e sem o Talking Heads, ele sempre se preocupou em também enfatizar a experiência de quem está por trás das grades que separam artista de espectador. Ver algo é diferente de escutar, e com essa abordagem, Byrne consegue não apenas passar mensagens distintas como também introduzir as próprias musicas à um universo totalmente incomum. E o interessante é que ele sempre muda algo minúsculo e escondido nas entrelinhas de uma forma tão impactante que nenhuma turnê ou até mesmo álbum, ao longo de toda a sua carreira, foi extensão de qualquer outra coisa que ele tenha produzido desde o momento em que decidiu presentear o mundo com o seu talento.
Ter David Byrne adicionado ao line-up do Lollapalooza é, sem dúvida, uma consideração inesperada que traz profundidade artística ao festival. Tome por base a quantidade de outras bandas que emprestam da sonoridade do Talking Heads. É interessante perceber que em 7 anos de festival o Lollapalooza preza em oferecer ao público brasileiro sempre um balanceamento entre uma edição e outra com artistas que conversam direta ou indiretamente entre si. Em 2015, St. Vincent subiu ao palco às 17h15 de um Sábado. Em 2018, David Byrne subirá ao palco 17h15 de um Sábado. Quer ter uma pequena noção de como vai ser o show? Dê uma olhada na estrondosa performance de Annie Clark em 2015.
Aquilo não surgiu do nada. Artistas como David Byrne, presentes nas criações musicais sobre qualquer assunto (principalmente pessoas), carregam consigo uma habilidade muito grande em construir uma atmosfera mirabolante e singular enquanto recriam, em novos ambientes e em novas décadas, o melhor da própria carreira como se ela estivesse começando agora.
E a mágica disso tudo é que Byrne é um gigante que está vindo para outra gigante, pois não poderia haver cidade e festival que melhor sustentassem o constante retorno daquilo que é extraordinariamente bom; David Byrne foi o homem que juntou um amigo e um casal de namorados para formar uma banda que fazia parte de uma leva de bandas tão únicas que os jornalistas precisaram criar o termo “new wave” para distingui-los das bandas punk e post punk famosas em tempos de CBGB.
A história a partir daí se desenha por conta própria. Byrne ajudou a produzir quase todos os álbuns do Talking Heads e nunca fez sequer um trabalho semelhante ao outro; em 1978, quarenta anos atrás, ajudou a redefinir a face do que mais tarde inspiraria a mesclagem do que se conhece pelo indie em tempos atuais com o álbum More Songs About Buildings and Foods. Foi o primeiro grande sucesso de Talking Heads, seguido pelo consistente Fear Of Music (1979) e pelo repertório definitivo que permanece até hoje em sua tracklist de apresentação de Remain In Light (1980). Todos álbuns essenciais para quem deseja entender Talking Heads em sua fase inicial além do “fa fa fa fa”.
Até mesmo porque Byrne como colaborador e incessante buscador de detalhes em meio ao caos musical mundial consolidou também a própria carreira solo, em conjunto com a progressão do sucesso mundial de Talking Heads, ao buscar harmonizar tudo aquilo que lhe servia como inspiração nas peculiaridades do que fez e faz as suas composições serem tão únicas. Em 1983 com o album Speaking In Tongues, ele lançou This Must Be the Place (Naive Melody), uma música na qual o termo “melodia ingênua” se referia literalmente à própria composição da musica. Ao invés da guitarra contribuir para uma melodia principal e o baixo contribuir para o ritmo, os dois fazem a mesma coisa durante a música inteira e criam essa atmosfera quase hipnótica dentro da simplicidade.
Esta simplicidade que contrasta com períodos onde houve uma exploração maior na percussão, vocal e ritmo, principalmente em Remain In Light, também é o melhor exemplo que enfatiza uma das muitas qualidades de Byrne: sua capacidade em receber, processar, criar e “equalizar” o som. Quase como se ele fosse a versão humana de um receiver.
É através da sua melhor qualidade como musicista que Byrne mantém-se firme após de mais de 40 anos de carreira. Ele não só recicla o que a música tem de melhor, ele também a reutiliza em 50 versões diferentes. Seja com pessoas diferentes, instrumentos e até mesmo temas visuais distintos, a criação está para Byrne assim como o CO2 estão para as plantas. O que faz de Byrne um gigante é simplesmente o melhor que ele consegue tirar de si.
E ainda bem que isso funciona até hoje.
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